Podemos dizer que a União das
Tribos é um novo grupo que acabou de lançar o seu segundo álbum, mas, este é,
sobretudo, um projecto liderado por António Côrte-Real, que produziu, compôs e
para o qual convidou outros músicos. A União cresceu bastante desde a estreia
em 2012 e a saída do vocalista Sérgio Lucas poderia afigurar-se arriscada, mas Mauro
Carmo, com características vocais opostas, revelou-se uma aposta certeira. O seu
timbre mais grave une-se de forma homogénea à música da banda e acaba por
funcionar melhor. Inclusivamente é mais enquadrável nos actuais formatos em que
assentam as principais playlists radiofónicas. E, se o disco for uma aposta na
rádio, arrisca-se a colar-se aos nossos ouvidos por muitos meses porque em
“Amanhã” existem diversas canções fortes e, pelo menos, três hits FM. Por sua
vez, Mauro pode revelar-se como “the next big voice” deste nosso Portugal.
Acompanho os projectos musicais
de António Côrte-Real desde os longínquos Falso Alarme, Finisterra ou Sirius e,
mais recentemente, Revolta, além da sua presença como guitarrista dos UHF, onde
já se encontra há duas décadas. Recordo-me de coisas muito distantes no tempo,
quando ele ainda era muito novinho, inclusivamente de um concerto na discoteca
Europa e dos seus bons pormenores de guitarra. Recuando ainda mais, guardo na
memória o dia 25 de Julho de 1990, nos antigos escritórios dos UHF, em que ele,
sentado no chão, dedilhava uma guitarra. É um facto que o seu crescimento
musical foi gradual e consistente, mas, nos últimos quinze anos, afirmou-se
enquanto executante ímpar e o trabalho de guitarras dos últimos álbuns dos UHF não
deixa margem para dúvidas. Porém, foi em 2011, com o CD “António Côrte-Real
Trio”, num disco pleno de improvisação, que qualquer reticência ficou dissipada
em matéria de versatilidade. Foi este seu grito de independência artística
que certificou as suas qualidades de guitarrista ímpar.
Em 2017, este efeito de admiração
regressou dentro de um formato pop rock. Aquilo que distingue o presente disco
da União das Tribos de todos os anteriores designa-se por “sabedoria”. Essa
sabedoria nota-se em todos os detalhes da construção de “Amanhã” e eleva este
álbum ao melhor trabalho da sua carreira. É certo que é um disco mainstream e
com absoluta consciência do público a que se dirige, mas o que importa são as
canções e, nesse capítulo, temos doze músicas que vagueiam entre sonoridades
rock e pop num resultado convincente, onde pontuam surpresas preparadas por António
Côrte-Real – convidando nomes sonantes que lhe acrescentam valor. A abertura do
disco dificilmente seria mais eficaz do que com “Sozinho”, um rock possante com
a participação de Tim dos Xutos & Pontapés; a que se segue um imprevisível
punk rock com Miguel Angelo na voz, onde o antigo vocalista dos Delfins recupera
a sempre eterna “Canção do Engate” de António Variações. O ritmo acalma nas
duas canções seguintes e descobrem-se duas pérolas orelhudas e condenadas ao
sucesso. O tema-título, “Amanhã”, é provavelmente o maior hit composto por António
Côrte-Real e o letrista David Arroz revela-se aqui um parceiro de escrita
perfeito. Por sua vez, “És como és”, com os convidados especiais Anjos, poderia
ser eleita a canção oficial dos namorados na Primavera deste ano.
Após um início avassalador, o
álbum respira com “Rasgar tudo” e “O tempo é agora” como que a preparar-nos
para a sequência seguinte. “Contratempo” é um dueto entre Mauro Carmo e Mafalda
Arnauth e outro potencial single, que nos prende a respiração e nos deixa
progressivamente viciados, enquanto “Só eu sei porquê” surge com os convidados
António Manuel Ribeiro e Carlão num inesperado e muito poderoso rock que reúne,
pela primeira vez, as duas principais figuras da música moderna portuguesa de
Almada.
Na sequência final do CD
encontramos três temas acústicos, encerrando o disco da melhor maneira porque
“Bluesy” recoloca-nos perante o criador de “António Côrte-Real Trio”.
Até “ontem” António Côrte-Real era
sobretudo um grande guitarrista, mas este álbum mostra-nos uma diversidade
superior e o trabalho com David Arroz é particularmente inspirado e relevante. “Amanhã”
é um álbum quente com melodias pop cativantes e incursões rock a abrir – é
um disco vivo de emoções. Se a União das Tribos mostrou ser um projecto que
veio para ficar, o seu mentor, António Côrte-Real, provou que pertence hoje à
restrita galeria dos bons compositores pop rock portugueses.
Luís Silva do Ó
Formação:
António Côrte-Real: Guitarra
Mauro Carmo: Voz
Cebola: Baixo
Wilson Silva: Bateria e percussão (no disco)
Marco Cesário: Bateria (ao vivo)
Tó Morais: Coros e harmónica
João Beato: Coros, guitarra e percussão