UM REGRESSO DE ALTO RISCO
Ontem
Os anos passam e, quando olhamos para trás, ficamos muitas vezes perplexos. O fenómeno que ocorreu em 1980 e que se estendeu durante pouco mais de 2 anos revolucionou toda a música eléctrica portuguesa e foi vivido de forma rápida e intensa.
As bandas de sucesso foram sugadas até ao tutano com discos atrás de discos e sem que tivessem o tempo correcto para um melhor e maior amadurecimento. Infelizmente, esta é uma causa recorrentemente ignorada quando se analisa o “crash” do “boom”. Se pensarmos nos casos flagrantes dos dois projectos nacionais de maior sucesso nessa época, UHF e Taxi, em 1981 e 1982, os primeiros editaram dois álbuns e um mini-LP e os segundos dois álbuns. Todas estas edições venderam como ginjas e, durante esses dois anos, tanto os Taxi como os UHF percorreram o país de lés-a-lés, numa época sem auto-estradas e com condições logísticas e organizativas pré-históricas. A intensidade destes anos teve como resultado uma tremenda ressaca global e, também, motivou consequências internas aos projectos.
Os Taxi foram um caso exemplar da sociedade de consumo imediato. Após o gigantesco sucesso do seu álbum de estreia editado em 81, mandaria a razoabilidade e o bom senso que fossem bem aproveitados os “n” singles que o LP poderia proporcionar. Não o foram e a decisão passou por avançar a toda a velocidade para “Cairo” (1982). Para completar o ramalhete, a banda ainda foi espremida em 1983 com mais um álbum, “Salutz”. As consequências foram devastadoras para o grupo. Depois de terem editado o disco mais eficaz da história da música pop-rock nacional, nunca devia ter saído, no ano seguinte, o álbum “Cairo”. O desejável seria deixar respirar a banda, deixar que o grupo amadurecesse e que o LP seguinte tivesse surgido mais tarde. Na altura, as edições somavam-se a elevado ritmo e nem sempre o melhor para a indústria representa o ideal para o processo de crescimento dos projectos. Pelo contrário, os interesses de uma editora muitas vezes chocam com o mais elementar conceito do que deve ser a gestão da carreira de um grupo ou artista – e, em Portugal, o conceito de “gestão de carreira” é outro tema interessante para reflectir com seriedade.
A esta questão de produtividade excessiva somou-se um certo atrevimento dos Taxi a partir do momento em que se cansaram de dar voltas a Portugal. Em 1987, lançam um álbum totalmente em inglês, precisamente na altura em que se assistia a um ressurgimento da música eléctrica cantada em português, liderado pelo trabalho “Circo de Feras” dos Xutos & Pontapés. A aposta no inglês, a maturidade musical apresentada, a ausência de um imediatismo existente nas composições iniciais, a recepção distante da comunicação social e um “deixar cair” promocional por parte da editora que tanto dinheiro tinha ganho com eles no passado conduziram a que os Taxi tivessem estacionado a viatura. Canções como “Scream’in love”, “Goodbye Charlie”, “Never on sunday” e, sobretudo, o fantástico “Dance, dance, dance” mereciam outro reconhecimento popular. Também, o facto de João Grande, Henrique Oliveira, Rui Taborda e Rodrigo Freitas se terem mantido fiéis ao Porto os desfavoreceu num mercado em que Lisboa era o centro decisório de tudo. Viver longe da Capital era (e ainda é) um factor negativo para a carreira de qualquer músico que se queira no topo.
Em 1999, existiu um primeiro esboço de eventual regresso. A colectânea “O céu pode esperar” foi bem preparada e deixou no ar uma possibilidade de retoma à actividade. Porém, faltou um ou dois inéditos que puxassem pelo disco, pelo regresso da banda e que possibilitassem uma promoção rádio e TV condignas. Acabou por ser uma oportunidade perdida. Na realidade, ao longo de todo este tempo, jamais algum grupo conseguiu ocupar o seu espaço e a popularidade das suas canções permanece em alta. 22 anos foi um tempo de ausência excessivo ou o regresso é, em si mesmo, um risco demasiado elevado e que os Taxi não deviam ter assumido?
Quando se alcança o patamar das lendas é prudente um regresso ao activo?
Quando se alcança um estatuto de lenda jamais é prudente regressar. E, mesmo com uma gigantesca máquina por detrás, é sempre um risco tremendo. Que o digam os Queen (pela negativa) ou os Eagles (pela positiva). Os portugueses Taxi decidiram voltar com novo álbum de originais e sem qualquer digressão nostálgica que o antecedesse. Compreendo que, mais de 20 anos depois, os músicos dos Taxi não tenham muita pachorra para tocarem, numa digressão, apenas canções editadas entre 1981 e 1987. Com o assumir do risco, o presente chama-se “Amanhã”.
“Amanhã”
O novo álbum é bastante complicado de ser analisado de forma isenta e imparcial por qualquer crítico que se debruce sobre o mesmo, sobretudo, se conhecer profundamente a obra gravada, como é o caso deste vosso escriba. Fosse o disco de um novo projecto e seria simples; fosse uma edição de um grupo veterano com carreira constante e também o seria. O problema é que estamos na presença do novo álbum dos Taxi, um grupo que deixou o patamar dos vivos em 1987 e que conquistou, com os seus dois primeiros LP’s, o direito a uma canonização popular.
A forma fácil de avaliar o álbum é conhecida. Se as músicas forem parecidas às do passado significa que o grupo estagnou e nada de novo tem a mostrar; se a sonoridade mudou é porque o grupo devia ter composto mais temas semelhantes aos dos dias de glória. Mesmo assim, “Amanhã”, quer seja considerado genial ou desastroso, nada irá influir no mapa de concertos para os próximos dois anos porque toda a gente tem saudades dos homens da “Chiclete”. Por mais desagradável que esta afirmação possa parecer, o principal trunfo dos Taxi de hoje é serem os Taxi de ontem. Quer isto dizer que “Amanhã” é um álbum vazio de significado e de importância para a própria vida da banda? Não, longe disso. “Amanhã” é um disco importante para um grupo que tenha vindo para ficar. “Amanhã” é um trabalho nuclear para que se verifique do prazo de validade do projecto e uma resposta a todas as questões que estes regressos à vida sempre provocam.
Os músicos estão mais velhos. 22 anos mais velhos desde “The night”. Curiosamente, tocam melhor do que em 1981. A sonoridade, que sempre mudou bastante no passado, tem uma marca característica de Taxi. Mas, será “Amanhã” um álbum que corresponde ao que os fãs dos Taxi gostariam? Manterão uma atitude adolescente mesmo depois dos 50 anos?
“Vai começar uma viagem sem pressa de chegar ao fim”
A primeira canção do álbum é como que um sinal para esta nova viagem dos Taxi. “Até ao fim” é um tema pop descontraído com uma letra solta, apaixonada e atrevida em que “dois corpos deitados repousam ao luar”. A abertura não poderia ter sido melhor e respiramos um cálice de “Taxi vintage” porque “Até ao fim” é do mais comercial que algum dia estes rapazes compuseram. Com um máximo de 3 audições, toda a gente sabe a letra de cor e o difícil será não trautear o refrão ao longo do resto do dia. Com todo este balanço, entra-se na faixa seguinte com o receio de já se ter escutado o melhor do álbum. Mas não, o tema título do trabalho, “Amanhã”, é outra canção de sucesso e que, dentro em breve, será mais um clássico. A letra é menos adolescente, mas, a música leva-nos para o álbum “Cairo”, mesmo que não se consiga encontrar razões objectivas para que tal suceda. Após duas músicas e duas setas no centro do alvo, caminhamos em direcção a um número importante em todos os trabalhos – o 3. O terceiro tema é surpreendente. Não se trata, apenas, de uma evolução, mas de uma novidade sonora. “Antes de amanhecer” é muito bonito, uma falsa ameaça de slow que vai em crescendo à medida que avança. É uma daquelas faixas onde se descobrem pormenores novos cada vez que se escuta e que ganhará estatuto de clássico. A canção seguinte, “24 horas”, é mais pop dançável e com refrão para cantar e chorar por mais. A dose pop prossegue com “Estranho em mim” e “Nunca”, enquanto “Tudo vai mudar” entra em tons mais blues e calmos, surpreendendo de novo. Em “Sem contradição”, voltamos a acelerar e entramos na recta final do álbum. Esta é uma canção bilingue, português e inglês, onde é explorada uma letra que resulta na perfeição. O ritmo, esse, vai continuando dançável e descontraído. “Não sei se sei” só não é uma surpresa porque encarna com mestria as minhas previsões do que seriam os Taxi do século XXI. Com tonalidades de balada e com uma saliente malha de guitarra fundem-se palavras, acordes e ritmo numa respiração una. Curiosamente, é o primeiro tema a passar nas rádios e a sua frescura promete contagiar o público. As letras deste disco permanecem na mesma linha a que os Taxi nos haviam habituado. A diversão é o cerne de tudo e as palavras são tão leves como eficazes, num mundo de ilusões imaginárias, em que a paixão descomprometida e inocente marca presença permanente. A excepção é marcada no último tema. “Utopia nacional” é uma canção interventiva de crítica social em ritmo próximo do punk-rock e que nos transporta para momentos em que a música rock nacional se limitava a ser directa. Poderia, perfeitamente, ter pertencido ao álbum de estreia em 1981.
Instrumentalmente, Rodrigo Freitas tem aqui o seu melhor trabalho de bateria, Rui Taborda permanece uma máquina no baixo e Henrique Oliveira parece ter tocado diariamente guitarra, ao longo dos últimos 22 anos. A voz de João Grande cresceu e está, hoje, mais grave do que nos anos 80.
Ao longo destas dez canções, sobressaem influências, géneros musicais e a inspiração própria de quem pode fazer o que quiser. Mesmo com letras alegres e melodias com o balanço certeiro para uma pista de dança, não deixamos de encontrar temas com certa dose de melancolia. Da mesma forma, a opção de usar o inglês numa das músicas vem criar uma ponte com o passado e deixar em aberto novas experiências futuras. Mais do que um álbum fechado, “Amanhã” é uma porta aberta para novas aventuras.
Em boa hora os Taxi deixaram as pantufas e decidiram saltar para o palco. Estamos na presença de um trabalho forte e que vai marcar o futuro dos Taxi. A existir uma aposta das rádios, há aqui temas suficientes para fazer de “Amanhã” um caso sério de airplay. Sem pretender estabelecer comparações qualitativas entre álbuns que distam entre si mais de 20 anos, os quatro elementos dos Taxi têm razões para se sentirem orgulhosos, optimistas e com a consciência tranquila por este arriscado regresso. “Amanhã” é um álbum para recordar e possui imensas canções de sucesso, daquelas escritas por acaso e que entrarão nos seus próximos “best of”. O mais surpreendente é que estamos na presença de músicos com uma idade superior aos 50 anos e que conseguem manter um espírito adolescente na esmagadora maioria das canções. Naturalmente que a maturidade musical é notória, mas que grupo se pode orgulhar de conseguir juntar o melhor de dois mundos? Mais do que um novo trabalho dos Taxi, este podia ser o primeiro disco de uma carreira. Resta aguardar para ver a reacção do público a esta edição que só consigo apelidar com uma palavra: Histórica.
Estaremos no paraíso? Não, o céu vai querer esperar.
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