27.2.11

O anti-neurónio

Fazer uma intriga é tão normal para um português como o acto de arrotar num selecto recital no S. Carlos.
Parece que ser pessimista também o é, pelo menos é o que as sondagens indicam e que o nosso senso comum detecta.
Também, com tanta música de sucesso que entrou neste país vinda da zona cinzenta de Manchester… não podia haver melhor nação para uma onda tão cinzenta, tão depressiva, tão negativa. Essa onda, a outra onda, é bem mais positiva que nós.
No lado mau, somos mesmo dos melhores. No Japão, trabalham imenso, produzem à brava por metro quadrado, em Portugal, temos a maior quantidade de depressões por habitante. Não sei se estes dados são reais e estão provados cientificamente, mas, se não são, podiam ser ou, então, os estudos estão errados.
Porém, o português também é campeão da divagação, como a minha prosa dá mostras.
Somos mesmo muito bons, em algumas coisas e dependendo da perspectiva…

Voltando atrás, diga-se que o português maneja bem a arte da intriga.
Chegado ao trabalho, é fácil aniquilar um colega chato (leia-se, competente, pontual e produtivo) só porque gagueja um pouco ou porque tem a voz algo aguda.
“Hum… o Zé é larilas.”
Basta uma deixa e o coitado do Zé vê a carreira arruinada por um indivíduo que, no bar, é machão, mas que, em casa, se costuma divertir a vestir a lingerie da mulher. Uma opção de vida como outra qualquer. O Zé é que não tinha culpa...
A intriga pequena ou grande não tem fim, mas, que tem isto a ver com o blogue?
Ok, divaguei até aqui para mostrar que, mesmo num blogue tão inofensivo como este, existem coisas que acontecem.
Na secção de comentários é corrente a aparição de análises enviesadas aos textos apresentados e, se até ao momento não tive nenhuma ocorrência em crónicas minhas, estou certo que em breve tal acontecerá (outro atributo dos portugueses que partilho, a capacidade da previsão).
A manipulação propositada de palavras que gerem equívocos, discussões, polémicas, é muito compensadora e ajuda a gastar o tempo em que o patrão pensa ter trabalhador.

Querem um exemplo?
Ora, aqui vai: num destes dias, um dos nossos estimados comentadores anónimos concluiu que este blogue devia chamar-se "anti-blitz". (?)
No meio de uma sonora gargalhada, que assumo não ter conseguido evitar, fiquei zonzo pelos motivos estranhos da comparação, mas, não vale a pena reflectir sobre uma coisa dessas.
Conversando com o criador deste blogue, fiquei a saber que outros nomes foram considerados, embora nenhum estivesse disponível (anti-blitz, anti-tv, anti-nódoas, anti-biótico, anti-manha, anti-tússico, anti-merdas, anti-lixo)… Pensando bem, também preferia o anti-tússico. Sempre servia para tratar da tosse a alguns inúteis e a outros que, sendo úteis, não fazem nada de jeito.
As bocas servem para aquilo que servem, lançar confusão e ver se pega.
Da minha parte o digo, aqui escrevo em nome da música moderna portuguesa, daquela que gosto e daquela que detesto.
Todos os contributos críticos e atentos são válidos, mas, em jeito de prevenção… conotar a minha pena com anti-qualquer coisa é que não.

Chegado aqui, sinto um aperto no estômago.
Se calhar preciso de um anti-ácido - é que esta semana queria escrever uma coisa “séria”.
Prometo que, no próximo mês, tentarei apresentar um texto anti-pasmaceira.
O certo é que a presente crónica nunca imaginou ser escrita.
Tal como os independentes, os neurónios portugueses são muito imprevisíveis.
Por talento, inato, são mesmo anti-neurónios.


[Como vêem o “crime” compensa… a esmagadora maioria dos comentários têm sido muito positivos, interessantes, acutilantes, e eu aqui estive a escrever sobre uma pequena minoria que aproveita o anonimato para escrever disparates. Mas, se são disparates, porque motivo os valorizamos? E de que forma a música avança neste país, se muitos dos agentes envolvidos no meio (músicos, promotores, managers, editoras, …) perdem as energias a guiar na contramão?]

28 de Janeiro de 2004, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

Link para post original.

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