3.5.11

UHF- Portugal somos nós

O regresso à Aula Magna, 3 anos depois, num momento em que o grupo celebra 33 anos de carreira, fez-se num recinto com muita gente, mas, mesmo assim, sem que tenha estado tão cheio como em 2008. Todavia, começa a ser visível o resultado do intenso trabalho que os UHF têm desenvolvido nos últimos anos e, se no concerto anterior poucas foram as figuras conhecidas do meio musical que marcaram presença, desta feita, eram inúmeras as que estavam espalhadas um pouco por toda a sala. Esta curiosidade acaba por ser natural se pensarmos em tudo aquilo que o grupo de Almada tem feito nestes tempos mais recentes e no surpreendente último álbum de originais. “Porquê?” acaba por ser a cereja no topo do bolo que subiu à mesa, melhor, a um ilustre palco lisboeta, no passado sábado, dia 30 de Abril.

Em críticas anteriores, já tinha referido a coesão, o modo algo telepático como os músicos comunicam entre si, a união que transpira de tantos e tantos anos de vida em conjunto. Os UHF de hoje são a antítese da sofreguidão desenfreada do passado, em que a entrada e saída de músicos era quase tão natural como beber água Castelo nas pausas de uma garrafa de Jack Daniels. Dessa época desregrada da infância e adolescência dos UHF ficaram discos e músicas intemporais. No entanto, foi após atingirem os 18 anos que António Manuel Ribeiro conseguiu estabilizar o comboio, diminuindo drasticamente as mudanças na formação. Foi o momento do renascimento de uns novos UHF que foram, paulatinamente, traçando um percurso ascendente, chegando, agora, a um novo patamar de exigência e de afirmação musical na Aula Magna em Lisboa.

A escolha das canções para o alinhamento do concerto não terá constituído tarefa simples e até as habitualmente ostracizadas canções do período da Rádio Triunfo (1982/85) foram sabiamente recuperadas do fundo de um baú, que se encontrava, felizmente, fechado e conservado em vácuo. Voltar a escutar composições tão belas como “Dança de canibais”, “Voo para a Venezuela” ou “Devo eu” foi como entrar numa cápsula do tempo e cair no meio da beleza, inovadora e pura, dos anos 80. As duas primeiras não seriam tocadas há 20 anos. A selecção das músicas não foi fruto do acaso e a conjugação das mesmas resultou num concerto intenso, forte como aço e onde a emoção nos iluminou ao longo de um breve e longo instante porque tenho consciência de que o espectáculo foi longo, mas não sei ao certo quanto tempo demorou – passou e num abrir e fechar de olhos foi partilhado connosco um lote de quase 30 temas.

“A última prova”, do recente álbum “Porquê?” deu o mote no início do concerto e, de imediato, se escutou o público a entoar as palavras de uma canção que não é single, que não passa nas principais rádios, que não tem nenhum vídeo oficial, mas, que merece ter a oportunidade de ser e de ter tudo isso. As canções foram-se sucedendo com António Manuel Ribeiro a gritar objectivas e cortantes palavras de ordem contra o marasmo em que Portugal e cada um de nós parece ter mergulhado. “Matas-me com o teu olhar”, “Viver para te ver”, “Um copo contigo”, “O vento mudou”, “Cai o Carmo e a Trindade”, “Dança de canibais” e “Estou de passagem” antecederam a entrada em palco do primeiro convidado especial durante o sempre hipnótico “Rapaz caleidoscópio”. Armando Teixeira entrou no palco a erguer o vinil de “À Flor da Pele” e “exigindo” um autógrafo a António Manuel Ribeiro, que, surpreendido, procurou e encontrou uma caneta sob o olhar divertido e deliciado dos restantes músicos e de todos os espectadores. UHF e Armando Teixeira proporcionaram um momento inesquecível com o emergir do excelente “Montra”, que usa um sample do “Rapaz caleidoscópio”. O primeiro momento mais calmo da noite surgiu à décima canção, com a versão acústica de “Sarajevo”, tendo o baterista Ivan Cristiano avançado para a frente do palco, ocupando o lugar deixado livre por Armando Teixeira. “Vejam bem” – em mais uma fabulosa interpretação de António Manuel Ribeiro –, “Voo para a Venezuela”, “Porquê só ela”, “Devo eu”, “Esta dança não me interessa”, “Os putos vieram divertir-se”, “Quero entrar em tua casa”, “Modelo fotográfico” e “Menino” fecharam o alinhamento antes dos encores. O povo pediu mais.

No regresso ao palco, os UHF atacaram “Porquê (português)” para, logo depois, receberem a Tuna Feminina que os acompanhou em “Portugal – somos nós” e na novíssima e inédita “Nevoeiro”, outro tema que pode ser um sucesso comercial. E foi com o sempre deslumbrante “Sonhos na estrada de Sintra” que os UHF saíram de palco em verdadeira apoteose. O público voltou a bater palmas e a gritar por mais.

Num espectáculo que foi sempre em crescendo, os UHF voltaram para fechar a noite com uma tripla de canções de arromba. “Cavalos de corrida”, “Rua do Carmo” e “Menina estás à janela”, provavelmente os três maiores sucessos do grupo, foram vividos em verdadeira apoteose e com um núcleo de fãs a despirem-se, ficando em tronco nu, enquanto agitavam a roupa e se agitavam a eles próprios, numa cadência própria de um concerto de punk-rock.

Os UHF apresentaram um leque diversificado de temas fortíssimos e de todas as épocas da sua carreira. Todavia, “Geraldine”, “Noites lisboetas”, “Concerto”, “Um mau rapaz”, “Persona non grata”, “Puseste o diabo em mim”, “Na tua cama”, “Nove anos”, “Ferir até à dor”, “Hesitar”, “Amélia recruta”, “Este filme”, “Brincar no fogo”, “Comédia humana (parte 1) ”, “Aqui Planeta Terra”, “Velhos amigos”, “A lágrima caiu” ou “Há rock no caís” seriam outras 18 músicas que poderiam pertencer a outro alinhamento de primeiríssima água, o que mostra bem a quantidade de canções de sucesso popularizadas pelos UHF.

Quando foram tocados os últimos acordes da “Menina estás a janela” já toda a gente estava rendida e totalmente exausta. A noite terminou, assim, com uma satisfação imensa estampada na cara de todos os que estiveram presentes. A assistência era constituída, esmagadoramente, por fãs conhecedores da obra dos UHF e foi essa a principal diferença entre o público deste concerto e do espectáculo na Aula Magna em 2008. O grupo parece ter voltado a encontrar uma larga multidão de fãs, fazendo-me recordar o tempo do Rock Rendez-Vous, o tempo da Feira Popular, enfim, outras épocas recuadas, em que os UHF eram os reis do rock português. Neste sábado, assistimos a um salto em frente nesse sustentado caminho que o grupo de António Manuel Ribeiro tem vindo a percorrer rumo ao justo e tardio reconhecimento. Está para breve.



Reacções:

“Ao fim de 30 anos tenho o meu “À Flor da Pele” assinado, finalmente, foi muito bom, gostei muito de estar aqui, foi um prazer muito grande e acho que toda a gente se divertiu e o concerto foi muito bom.” - Armando Teixeira (Balla)

“Eu não estava à espera de tanta gente. Todas as pessoas que vieram são fãs dos UHF. Viu-se a sala completa em quase todas as músicas a cantar, deu para perceber que as pessoas estavam bastante entusiasmadas.” - Rui Leal, fotógrafo

“Já não via os UHF ao vivo há muito tempo, nem sei muito bem precisar há quantos anos, e foi uma surpresa agradável porque, realmente, a banda está em grande forma. O António Manuel Ribeiro continua em grande forma, é um resistente, vem dos anos 80 e gostei, sinceramente, do espectáculo. Acho que esteve com uma energia fantástica.” - Pedro Rolo Duarte


“Foi um belíssimo espectáculo. [“O vento mudou”] foi um momento muito giro, uma canção, 44 anos depois, ter esta vitalidade é sempre giro. Hoje, achei graça porque a Tuna cantou a “Desfolhada”. De maneira que eu ganhei, ganhei duas canções na final (risos). O meu neto e a amiga dele vieram aqui e já temos mais uns fãs e é giro é ver a continuidade destas coisas todas. Foi um grande concerto.” - Nuno Nazareth Fernandes

“Foi um óptimo concerto, sempre em cima, uma grande energia, as pessoas a responderem muito bem a muitas músicas. Sente-se a quantidade de hits que os UHF têm. A banda está muito coesa, estão em grande forma. A sensação que eu tenho é que esta excelente forma, nesta fase mais recente dos UHF, arranca, sobretudo, com o “Há Rock no Cais”.
O António Manuel Ribeiro é um homem de hinos, portanto, hoje viu-se aqui a quantidade de músicas a que as pessoas respondem. Tem capacidade para aquelas mensagens curtas, onde as pessoas se revêem e respondem, como a gente viu esta noite. Ele, neste momento, já está a fazer hinos novos porque, hoje, já ouvimos o “Nevoeiro”, que pode ser mais um hit.
O António Manuel Ribeiro sempre soube muito bem o que é estar em cima do palco. Estou-me a lembrar de espectáculos há quase 30 anos e, de facto, é um bicho de palco, mantém um grande ascendente sobre o público durante todo o espectáculo, prevê o público, tem uma ligação muito forte e esse magnetismo em cima do palco explica a reacção das pessoas.
Aquele final, aquela sequência, “Cavalos de Corrida”, “Rua do Carmo” e “Menina Estás à Janela” é muito forte.”
- David Ferreira

Texto originalmente publicado no blogue Ié-Ié.

Fotografias: Francisco Rosário.