29.3.17

"Amanhã" acerta no centro do alvo



Podemos dizer que a União das Tribos é um novo grupo que acabou de lançar o seu segundo álbum, mas, este é, sobretudo, um projecto liderado por António Côrte-Real, que produziu, compôs e para o qual convidou outros músicos. A União cresceu bastante desde a estreia em 2012 e a saída do vocalista Sérgio Lucas poderia afigurar-se arriscada, mas Mauro Carmo, com características vocais opostas, revelou-se uma aposta certeira. O seu timbre mais grave une-se de forma homogénea à música da banda e acaba por funcionar melhor. Inclusivamente é mais enquadrável nos actuais formatos em que assentam as principais playlists radiofónicas. E, se o disco for uma aposta na rádio, arrisca-se a colar-se aos nossos ouvidos por muitos meses porque em “Amanhã” existem diversas canções fortes e, pelo menos, três hits FM. Por sua vez, Mauro pode revelar-se como “the next big voice” deste nosso Portugal.

Acompanho os projectos musicais de António Côrte-Real desde os longínquos Falso Alarme, Finisterra ou Sirius e, mais recentemente, Revolta, além da sua presença como guitarrista dos UHF, onde já se encontra há duas décadas. Recordo-me de coisas muito distantes no tempo, quando ele ainda era muito novinho, inclusivamente de um concerto na discoteca Europa e dos seus bons pormenores de guitarra. Recuando ainda mais, guardo na memória o dia 25 de Julho de 1990, nos antigos escritórios dos UHF, em que ele, sentado no chão, dedilhava uma guitarra. É um facto que o seu crescimento musical foi gradual e consistente, mas, nos últimos quinze anos, afirmou-se enquanto executante ímpar e o trabalho de guitarras dos últimos álbuns dos UHF não deixa margem para dúvidas. Porém, foi em 2011, com o CD “António Côrte-Real Trio”, num disco pleno de improvisação, que qualquer reticência ficou dissipada em matéria de versatilidade. Foi este seu grito de independência artística que certificou as suas qualidades de guitarrista ímpar.

Em 2017, este efeito de admiração regressou dentro de um formato pop rock. Aquilo que distingue o presente disco da União das Tribos de todos os anteriores designa-se por “sabedoria”. Essa sabedoria nota-se em todos os detalhes da construção de “Amanhã” e eleva este álbum ao melhor trabalho da sua carreira. É certo que é um disco mainstream e com absoluta consciência do público a que se dirige, mas o que importa são as canções e, nesse capítulo, temos doze músicas que vagueiam entre sonoridades rock e pop num resultado convincente, onde pontuam surpresas preparadas por António Côrte-Real – convidando nomes sonantes que lhe acrescentam valor. A abertura do disco dificilmente seria mais eficaz do que com “Sozinho”, um rock possante com a participação de Tim dos Xutos & Pontapés; a que se segue um imprevisível punk rock com Miguel Angelo na voz, onde o antigo vocalista dos Delfins recupera a sempre eterna “Canção do Engate” de António Variações. O ritmo acalma nas duas canções seguintes e descobrem-se duas pérolas orelhudas e condenadas ao sucesso. O tema-título, “Amanhã”, é provavelmente o maior hit composto por António Côrte-Real e o letrista David Arroz revela-se aqui um parceiro de escrita perfeito. Por sua vez, “És como és”, com os convidados especiais Anjos, poderia ser eleita a canção oficial dos namorados na Primavera deste ano.

Após um início avassalador, o álbum respira com “Rasgar tudo” e “O tempo é agora” como que a preparar-nos para a sequência seguinte. “Contratempo” é um dueto entre Mauro Carmo e Mafalda Arnauth e outro potencial single, que nos prende a respiração e nos deixa progressivamente viciados, enquanto “Só eu sei porquê” surge com os convidados António Manuel Ribeiro e Carlão num inesperado e muito poderoso rock que reúne, pela primeira vez, as duas principais figuras da música moderna portuguesa de Almada.

Na sequência final do CD encontramos três temas acústicos, encerrando o disco da melhor maneira porque “Bluesy” recoloca-nos perante o criador de “António Côrte-Real Trio”.

Até “ontem” António Côrte-Real era sobretudo um grande guitarrista, mas este álbum mostra-nos uma diversidade superior e o trabalho com David Arroz é particularmente inspirado e relevante. “Amanhã” é um álbum quente com melodias pop cativantes e incursões rock a abrir – é um disco vivo de emoções. Se a União das Tribos mostrou ser um projecto que veio para ficar, o seu mentor, António Côrte-Real, provou que pertence hoje à restrita galeria dos bons compositores pop rock portugueses.


Luís Silva do Ó



Formação:
António Côrte-Real: Guitarra
Mauro Carmo: Voz
Cebola: Baixo
Wilson Silva: Bateria e percussão (no disco)
Marco Cesário: Bateria (ao vivo)
Tó Morais: Coros e harmónica
João Beato: Coros, guitarra e percussão