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14.3.11

Sangue, suor e ideias

I
Não escrevo neste blogue para ser simpático, nem para agradar a grupinhos e, ainda menos, para ser politicamente correcto. Essa do tipo premeditadamente certinho, educado e preocupado com a polidez das afirmações que expressa, numa perspectiva de dividendos para daqui a 10 ou 20 anos, não se enquadra muito bem no perfil deste vosso escriba.
Confesso apreciar muitos dos comentários que tenho lido e, igualmente, assumo que me estou - literalmente - nas tintas para algumas linhas retorcidas que, também, leio. Ainda bem que existem essas vozes discordantes porque é sinal que a coisa mexe.

Na mesma medida em que o povo português tem falta de confiança em si próprio e é pouco dado a patriotismos, recuso-me a vestir o fato do politicamente correcto e não pretendo agradar a nenhuma facção. Prefiro ser um pacato enfant terrible do que um irrequieto yesman.

Não sou sócio de nenhum clube do meio musical: nem de rádios, nem de editoras, nem dos músicos, nem de ninguém. Gosto de música, sou simpatizante de todos e convosco partilho ideias e visões (alucinações?) mesmo que o status quo não goste. Que se lixem! Vai um Jack?


II
Puxando pela cabeça, recordo-me da possibilidade de um concerto numa comunidade portuguesa nas Antilhas Holandesas. A Sociedade de Autores de lá exigiu artistas locais, nesse espectáculo, e foi-se essa oportunidade...
Seriam patriotas perigosos ou nativos preocupados com a preservação da sua cultura?

Muito se tem falado, neste blogue, da necessidade das novas bandas actuarem ao vivo e com condições financeiras e sonoras.
No meio da indiferença da maioria, algumas bandas conceituadas têm dado uma mão a novos grupos, mas o apoio tem sido manifestamente escasso e insignificante. Não espero, nem penso que alguém acredite, que os grupos já estabelecidos vão patrocinar os novos projectos libertando uma parte (mesmo pequena) dos seus lucros.
Por outro lado, as Organizações, sejam elas Comissões de Festas ou Autarquias, movidas por sensibilidades financeiras e/ou políticas, raramente descobrem alguma mais valia no gasto de uns trocados em bandas para primeiras partes. Apesar das vistas curtas, estão no seu direito.
O boom do rock luso ocorreu há 24 anos e a falta de oportunidades para tocar ao vivo permanece.
Ou um grupo tem a sorte e/ou o talento de “rebentar” popularmente, ou nada feito. E os projectos com um ou dois discos (por muito promissores e talentosos que sejam) continuam a “vegetar” (e muitos a morrer) no mesmo circuito dos bares, onde já circulavam antes de gravarem os discos. Tudo numa de “gira o disco e toca o mesmo” durante anos a fio.

Para inverter esta tendência que estrangula e aniquila os projectos (quantos grupos de dimensão surgiram nos últimos 20 anos?), defendo uma medida mais “radical”: nos concertos cujo cabeça de cartaz cobre cachet superior a 1.500 contos, que as Organizações sejam obrigadas a contratar um novo grupo para a primeira parte (com um ou dois discos no mercado), pagando-lhes um valor mínimo de 10% sobre o cachet do grupo principal.
Parece mais do que provado que as boas intenções não nos levam muito longe, tendo chegado o momento de se assumir isso mesmo e de buscar soluções práticas e reais para que a nova música portuguesa possa ser conhecida, apreciada e divulgada.
E como se faz para que esta ideia seja concretizada?
Sejamos ambiciosos e pense-se numa Lei global para a música portuguesa.

Para as Organizações seria quase irrelevante… Pagar 1.500 contos ou 1.650 contos é praticamente o mesmo, quando se esquematizam os custos, e não são 10% que alteram o pensamento de uma Comissão de Festas ou de uma Câmara Municipal… Para as bandas seria muito importante porque teriam possibilidade de mostrar os trabalhos a públicos maiores e em muito melhores condições. Teriam hipóteses reais de crescimento.
Infelizmente, as mentalidade não podem ser modificadas por decreto, mas, a implementação de coisas como esta pode ser feita através de Leis! Parecido às quotas das rádios? Talvez.
Pessoalmente, posso não concordar com uma Lei de quotas, que preveja a passagem de música portuguesa nas rádios. Contudo, dado o actual quadro, parece-me inevitável que a Assembleia da República decida aquilo que o mercado não conseguiu auto-regular, nem os respectivos interessados acordar, parecendo esquecer que “um mau acordo é melhor do que uma boa demanda”!
Quando falta diálogo e bom senso só resta a solução legislativa.
Se assim querem, assim seja!
Mas que venha depressa, antes que a asfixia aniquile o futuro.

Não é com braços cruzados que se dobra o Cabo das Tormentas.
É com sangue, suor e ideias.

26 de Maio de 2004, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

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11.3.11

Um projecto global

Intro

Em outros tempos, Portugal era maior do que o Rossio; hoje em dia, qualquer mapa do Continente e Ilhas cabe na Betesga.
Estou farto desta treta de ser pequeno!
Quando andava na escola, aprendi, em "História de Portugal", que os portugueses eram fabulosos e que descobriram meio mundo. À medida que fui crescendo, a grandeza de Portugal foi mirrando, mirrando...
São ciclos e eu estou a viver na época em que este país se encontra numa região manhosa de Espanha.
Em 1974, libertou-se uma tendência de globalização que, ainda, não deu mostras de parar.
Passou a ser sinónimo de modernidade atestar os nossos estômagos num McDonald's e numa Pizza Hut.
Tirando o ridículo da ausência de amor próprio, Portugal foi vivendo, cada vez mais, numa sociedade globalizada, das mais felizes e contentes por perderem a identidade cultural.

Sempre divulguei, apoiei e estive ligado ao rock português.
Acompanhei o "boom" de 1980, como ouvinte, e passei a "homem da rádio" em 1986/87, altura em que entrevistei muito músico e travei amizade com o nosso camarada de blogue, António Manuel Ribeiro.
No início dos anos 90, realizei um programa de rádio somente vocacionado para a música moderna portuguesa. A "coisa" durou uns 4 anos e fui sendo consumido com as novidades que me chegavam pelo correio, num momento em que a "moda" de cantar em inglês começava a dar sinais de crescimento. Das largas dezenas de maquetes que recebia e que divulgava, poucas se aproveitavam e menor era o número das eleitas de que gostava. O esgotamento motivado pelo cansaço de ter de escutar, entrevistar e passar tanta coisa horrorosa fez mossa.
Claro que passava quase tudo o que recebia, desde que tivesse uma produção aceitável ou ideias interessantes, mesmo não gostando, porque o objectivo era divulgar... podia ser verdade que alguém apreciasse!
No momento em que eu próprio deixei de ter interesse em escutar o meu programa, as emissões terminaram e dediquei-me a outros debates e a outras lutas.
Nessa fase, tínhamos imensos grupos novos e poucos com verdadeiro interesse, pelo menos, para mim!
A originalidade era escassa, as melodias quase sempre uma desgraça, os vocalistas usavam um inglês macarrónico e os músicos, ainda, estavam na terceira classe, apesar de serem melhores executantes que o pessoal de 80/82.

Em 2004, muita coisa mudou.
Temos uma boa quantidade de projectos com nível, os músicos são mesmo bons e as melodias ficam no ouvido. A língua vagueia entre um melhor inglês e um tímido retorno ao português.


Mercado Interno

Ao contrário de outros tempos, temos, actualmente, projectos musicais em quantidade, qualidade e diversidade.
Falta é que estes grupos saiam em definitivo do limbo onde se encontram e passem a tocar, a gravar e a serem escutados na rádio e na TV.
Ora, aqui é que a porca torce o rabo...
A TV, cada vez a maior referência nas audiências, não tem programas de entretenimento suficientes e as telenovelas não chegam para todos...
As rádios... bem, a divulgação nas rádios é matéria já batida e convenientemente debatida, pelo que, desta vez, não vejo necessidade de voltar à questão.
Na imprensa escrita, temos diversas publicações, mas, a referência continua a ser o Blitz, que, apesar de estar a trabalhar bastante melhor do que no passado recente, permanece sem concorrência; é como se, em Portugal, só existisse uma TV ou uma rádio de grande expressão. Ou uma editora.
Chegamos às editoras... num mercado em crise, em que poucas apostas são feitas e em que as editoras vivem dificuldades económicas.
A tendência corre no sentido de parcerias entre músicos e editoras, numa mudança considerável em relação ao passado recente. O caminho pode passar por uma aposta financeira dos próprios músicos e uma parceria (com acordo prévio, se possível) com uma editora que garanta a edição, promoção e distribuição. Ganham as editoras porque não investem em estúdio e, provavelmente, os músicos porque as contrapartidas financeiras das vendas poderão ser muito melhores.

Mas, quando o que está em causa é a própria existência da música portuguesa, não deveria o Estado olhar para os nossos músicos de uma forma diferente? Não são eles próprios agentes culturais?


Cultura ou Indústria?

Em 1991, inserido numa Associação Juvenil, organizei uma Conferência sobre Ambiente.
Naturalmente, foram feitos diversos contactos para patrocínios, entre os quais, os inevitáveis Ministério do Ambiente e Secretaria de Estado da Juventude.
Para abreviar, nenhum deles patrocinou, o primeiro porque considerou que o apoio devia ser prestado pelo segundo e o segundo porque alegou que a esfera de acção era responsabilidade do primeiro!
Será a música não erudita, quer seja electrónica, pop, fado, rock ou de outro estilo qualquer, um produto industrial ou um produto cultural?
Pelo comportamento dos organismos oficiais, parece-me que se repete a história da Conferência. Depende do ângulo?
Caso fosse a música considerada cultura, não deveria ter um tratamento semelhante a outras artes?
Não deveriam ser concedidos apoios, como acontece em outras áreas, nomeadamente, no teatro e no cinema? No mínimo, não deveria existir uma tributação de 5% de IVA?


Visão ou Alucinação?

Sobre os apoios financeiros à música portuguesa e buscando o exemplo do cinema, não seria tempo de reflectir, seriamente, acerca desta questão?
Passeando pelo site do ICAM (Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia) e olhando para os concursos de 2004, vou escolher um entre diversos, no caso, o "Apoio Financeiro à Criação e Produção Cinematográfica". Dentro deste Apoio em concreto e só em relação a "Longas Metragens de Ficção", temos 6 projectos que irão receber um total de € 3.900.000,00... qualquer coisa como 780 mil contos.

Com uma verba desta dimensão, se usada pelos músicos portugueses, quantos discos se conseguiriam gravar e promover por ano?

Claro que, com apoios desta ordem, o Estado podia enquadrar essa aposta num pensamento global.
A primeira contrapartida podia ser um compromisso em termos de preço de venda dos CDs apoiados, necessariamente a valores muito inferiores aos praticados, tentando generalizar-se essa medida a todos os discos de música portuguesa.
Se tivermos os CDs de música portuguesa a 10 euros, vamos incentivar as vendas, o conhecimento público, o fomento do gosto dos portugueses pela sua música e, talvez, alterar mentalidades...

Todavia, este apoio à produção musical podia ter um espaço ainda mais vasto: o da indústria e o da exportação.


Exportação: Utopia?

A tal globalização em que Portugal é "excelente aluno" pode ter muitos aspectos negativos, mas, também, tem lados positivos.
Um deles é que estando o "Euro 2004" tão próximo, seremos óptimos conselheiros para os turistas que nos visitem, nas "ementas tipo" das grandes cadeias de "fast food".
Outro aspecto positivo é que esta onda de bandas de valor, com sonoridades diversificadas e actuais, só podia surgir num país tão aberto ao exterior.
Exemplos como Madredeus, Moonspell ou Fonzie mostram que é possível exportar a nossa música.
Dentro de uma linha de apoio, de aposta na música portuguesa, o Estado, depois de consolidar a etapa interna, usando o meio Internet e o organismo ICEP, poderia trabalhar os nossos valores numa perspectiva de exportação.
Por seu lado, o ICEP, a AFP, a SPA e demais organizações ligadas à música criariam um movimento global.
Naturalmente que feiras de música como o MIDEM seriam de muita importância, mas, deviam ser exploradas outras potencialidades como Mostras de música em capitais mundiais.
Um portal com mp3 gratuitos e políticas concertadas poderiam abrir caminhos - como campanhas de publicidade dirigida ao portal nas principais revistas internacionais da especialidade... - despertar a curiosidade, motivar a audição e, estou certo, as divisas que entrassem, iriam justificar a aposta porque esta Indústria está bem mais evoluída do que o nosso Cinema.

No passado, demos novos mundos ao mundo.
Este é o "timing" para dar música!



Esclarecimentos adicionais:
1. O meu programa de mmp cessou na busca de novos desafios e não, somente, pela falta de qualidade das maquetes que recebia, porque quem corre por gosto descansa depressa.
2. Sugiro que descobramos uns locais típicos lusitanos para recomendar aos turistas, incluindo o "Rock Rendez-Vous" e o "Johnny Guitar".

Notas pessoais:
1. Na TV precisamos de mais homens como o Júlio Isidro.
2. Saúdo a iniciativa do Bruno Gonçalves Pereira e o espírito de colaboração que emerge no blogue.
3. Uma palavra de estímulo para o Nuno Ávila e Fausto da Silva, dos "Santos da Casa", e para todos aqueles que apoiam e divulgam a nossa música: o vosso trabalho é notável.

Dúvidas existenciais:
1. O lobbie da indústria livreira será mais unido e estará melhor organizado do que o ligado à música?
2. Querendo discutir a "música moderna portuguesa e o futuro", porque motivo alguns comentários no blogue são dignos exemplos do conservadorismo do "Velho do Restelo"?
3. Que dignidade pode advir a organizações que "contratem de borla" novas bandas para Festivais que rendem rio's de dinheiro?

Agradecimento Final:
À recente participação activa de David Ferreira neste blogue e às palavras do seu comentário.

Lamento Final:
A Capital já não conta com o "Rock Rendez-Vous" e com o "Johnny Guitar"?

Desejo Final:
Ser incluído no jantar que o Ulisses prometeu ao Bruno Gonçalves Pereira. No restaurante "A Herdade", em Porto Côvo?

Ideia Final:
Aproveitando o "Euro 2004", vamos mostrar alguma música a esses turistas? Alguém pensou num CD compilação para estes visitantes receberem?

Ponto Final.


28 de Abril de 2004, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

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8.3.11

Rádio Nostalgia

Tem sido animada a troca de argumentos entre os meus amigos Bruno Gonçalves Pereira e António Manuel Ribeiro, a propósito da última crónica do primeiro e tendo a rádio dos nossos dias por pano de fundo.
Dentro de uma linha de gestão empresarial, já aqui afirmei que a saída para esta crise passará mais pelos critérios estratégicos das editoras, do que pelo “apoio” das principais estações de rádios, mas, nesta questão, como em outras na vida, não existem só inocentes.
Hoje, tenham os meus amigos pachorra e paciência porque vou centrar a reflexão mais do lado das rádios e da música que divulgam.
Diversas notas soltas fui deixando em textos, aqui, no Canal Maldito, e, inclusivé, meses atrás, escrevera um esboço, o qual, acabou por não passar na minha censura da auto-avaliação.
Mas, estando este mês tão viva a questão, vou remexer nas frases e tentar colocar a curta reflexão apresentável.

Sou mais um daqueles que cada vez escuta menos rádio… em casa nunca o faço, perdi o hábito, ou melhor, perdi o vício de adormecer agarrado ao antigo rádio a pilhas, que comigo partilhava o leito – mesmo assim, existe a excepção para o Porto Sem Abrigo do Álvaro Costa, que mantém o dom de me fazer regressar ao passado, nem que seja numa única hora por semana; ouvir rádio, na actualidade, apenas no carro e vagueando entre a TSF, Rádio Comercial e Antena 3.
Oiço cada vez menos porque não tenho o mesmo tempo livre de outras épocas, talvez por estar mais velho (desculpa fácil para tudo e mais alguma coisa, não é?), mas, também, porque a rádio de hoje está muito diferente.
Remexendo no baú recordo-me dos “velhinhos” Rock em Stock e TNT - Todos No Top, sem esquecer um Luso Clube, centrado no rock português e que escutava, religiosamente, semana após semana, descobrindo tudo o que de novo surgia.
Eram momentos bonitos, estávamos no início dos anos 80 e, como já aqui afirmei noutra ocasião, essa década foi de ouro para a música, tanto para a nacional como para a outra.

Numa semana de Outubro passado, estive de férias no Algarve e escutei muitas horas de rádio: o tempo estava mau e envolvi-me no éter.
Confirmei que as mais importantes estações do país, apesar de divulgarem alguma produção recente, apostam muito mais em sucessos de outros tempos: Bob Marley, Fischer-Z, Peter Frampton, The Eagles, revelaram-se assíduos no dia-a-dia de Rádio Renascença, RFM, Rádio Comercial ou Rádio Clube Português.
Interessante verificar que alguns dos temas possuem maior airplay, nos nossos dias, do que na própria altura em que foram editados, décadas atrás. Alguma da música portuguesa que pude escutar, também, tem barbas – Rádio Macau, GNR, José Cid…

A passagem de temas antigos dos Rádio Macau causa-me uma certa inquietação, num momento em que o novo trabalho não se ouve em nenhuma destas 4 estações.
Esta constatação provoca nova questão sobre a lei da rádio e sobre as quotas para a música portuguesa.
Se (e este “se” deve ser bem sublinhado), repito, se um dia uma lei de quotas for aplicada que música nacional será divulgada?
Serão divulgadas as novas edições ou iremos assistir a apostas em música antiga e de sucesso comprovado?
Os homens das playlists optariam por temas novos e desconhecidos ou escolheriam pérolas que são certezas: “O Amor”, “Chiclete”, “O Anzol”, “Porto Covo”?
Pois é, caros amigos, será que, mesmo com 40% de quota de produção nacional, iríamos continuar a ter o éter preenchido com a “Rádio Nostalgia”?


Notas Finais 1:
1. Um tão estimulante jogo de palavras e de argumentos (BGP vs AMR) não me podia passar ao lado… quiçá para um debate em torno de um microfone e com o imenso Atlântico como fundo?
2. Volto a frisar que os estudos de mercado, também, deviam ser realizados por editoras e – porque não – pelos grupos e respectivos managements.
3. A faixa de Fischer-Z que escutei foi “So Long” (1980) e, para os portugueses, a banda há muito que terminou. Puro engano, John Watts continua a gravar e o mais recente tema, “Jukebox” (2002), permanece na ignorância do povo, apesar de ser mais do que comercial.
4. Peter Frampton é escutado numa das diversas versões ao vivo de “Baby, I Love Your Way” (original de 1975). Alguém já ouviu o orelhudo “Above It All”, do recente “Now” (2003)?

24 de Março de 2004, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".


David Ferreira comenta crónica "Rádio Nostalgia")

Um breve comentário acerca do texto de Luís Silva do Ó sobre as Rádios:

Tem toda a razão quando dá a entender que a nostalgização é hoje o maior dos problemas que enfrentamos na rádio. Por isso mesmo, a AFP (Associação Fonográfica Portuguesa) insiste em que não basta estabelecer quotas para a Música Portuguesa, são também necessárias quotas mínimas para a passagem de Novidades.

A título pessoal, não entendo como pode o Estado conceder alvarás a quem institui como regra básica de programação o bloqueio à Novidade: sendo limitado o espaço hertziano, porquê concedê-lo a quem, em lugar de informar, esconde a informação?! Deverá a Rádio ser posta ao serviço do silenciamento do que se faz, cá como lá fora?

Já pensaram o que seria se os cinemas se recusassem a passar filmes novos, as livrarias a expor livros novos, os jornais a mostrar e a comentar... as notícias do dia?!

Ou será que o progresso se faz de olhos postos no futuro e os ouvidos agarrados ao passado...?!


David Ferreira

[O email do administrador da EMI Valentim de Carvalho, David Ferreira, foi recebido em 2004/04/04 e publicado no blogue com autorização prévia do autor.]

6.3.11

24 ou 25 de Abril?

“(…) Ou pelo contrário, vão aumentar, exponencialmente, os discos em edições de autor, aproveitando as potencialidades da internet e com promoções lideradas e controladas pelos próprios autores?”

Nas últimas semanas, esta frase que aqui escrevi (ver Sem carga de trabalho) tem vindo a martelar-me a cabeça...
Os motivos de tais marteladas são diversos, mas, aponto apenas uns três:
1. Projectos musicais ignorados pelas editoras
2. Reflexões que vou lendo na imprensa e em blogues
3. Conversas mantidas com músicos, produtores e animadores de rádio

Detalhando um pouco melhor, até podemos pensar que as editoras ignoram os novos projectos porque os mesmos não prestam ou devido a não se enquadrarem numa perspectiva comercial.
Contudo, conheço alguns casos paradigmáticos, incluindo músicas que agradam a toda a gente – até a ouvidos habituados a formatos rádio de sucesso, onde as editoras anseiam entrar – e cujos autores nem são dignos de receberem uma resposta.
Ainda recentemente, após um acontecimento cultural, passei pela casa de um amigo (músico) que me contou a forma como dera de caras com um importante executivo, de uma das maiores editoras deste país, a despejar um armário carregado de demos, directamente, para um saco do lixo.
Presumindo que os homens do lixo não fazem uma recolha selectiva e auditiva, que permita recuperar os melhores projectos, todo aquele espólio ficou arrasado pela máquina que mastiga o lixo doméstico.
Será que, entre aquelas centenas ou milhares de canções, não se encontrava um único tema forte, um único projecto com viabilidade, uma única cassete ou CD que viesse a constituir sucesso e do qual a editora pudesse vender milhares de discos?
Assim se perdem talentos, valores e novos músicos na nossa praça.
As editoras andam de tanga e, a cada mês que passa, as coisas parecem piorar.
Onde estão os profissionais que escutam as demos, que vão aos concertos? Onde estão os olheiros?
No mínimo, porque não se editam compilações com os melhores temas encontrados?

O tempo das vacas gordas já acabou, mas, o comportamento das editoras aparenta ignorar esse facto. Recordo-me da (ainda recente) euforia e derrocada das dotcom, com investimentos (?) a serem realizados em momentos suicidas. Quem não quis ver a realidade terminou a chorar o leite derramado.
A geração que controla a maior fatia do bolo editorial é, exactamente, a mesma que já lá estava há 20 anos, que viveu o fim do vinil, a guerra da cassete pirata…
A experiência é importante, mas, a inovação urge, numa indústria cujo futuro comercial não pode estar ligado a projectos passados.

Esta dança, bera e triste, da destruição de projectos no embrião, tem aniquilado muitos grupos, mas, em 2004, cimentam-se novas tendências e novas soluções, com viabilidade económica para os músicos.
As edições de autor – só para ricos em outros tempos – começam a ser uma real solução.
Uma rodela custa uns míseros 80 cêntimos e já se encontram estúdios com muita qualidade e a preços acessíveis. O circuito promocional pode ser usado por qualquer grupo que queira arregaçar as mangas.
O semanário Blitz surge com edições que incluem CDs a preços tentadores, em parcerias várias, numa ideia que, apesar de não ser inovadora, é, provavelmente, a mais importante do ano. Não precisamos de inventar sempre a roda. Aprender com os bons exemplos estrangeiros, também, é uma virtude.

Os circuitos de música ao vivo começam a melhorar, destacando-se o (grande) Porto como motor desta tendência.
A Secretaria de Estado da Juventude podia e devia ajudar, criando um circuito de concertos em todos os centros distritais do Instituto Português da Juventude. Se os jovens gostam de fotografia e de pintura, não gostarão menos de música…

A internet – zona de terror para editores e artistas num mar de pirataria – tem por outro lado, sido usada para divulgar e fomentar as vendas de novos projectos: o espaço que a CDGO.COM criou na sua loja virtual é exemplar dessa dinâmica positiva.
Outra coisa (esta mesma onde estamos agora) tem agitado as águas da net: falo do movimento que os blogues têm assumido nesta questão, fomentando a troca de ideias e aumentando a discussão em busca de novas soluções.

Não estou a defender um oásis porque a situação actual é grave, séria e de crise, mas, é uma crise que pode ser revertida pelos músicos e pelos agentes e managers deste país.

Quase dois meses depois do início de 2004, ainda não entrou nenhum novo trabalho nacional no top de vendas! A indústria discográfica tradicional encontra-se num beco escuro.
Historicamente, são em momentos como o actual, em que existem crises e pontos de rotura acentuados, que as oportunidades emergem.
A necessidade aguça o engenho e nisso a capacidade lusitana é famosa.
Haja imaginação e capacidade de inovação.
Sejamos criativos porque este é o momento, esta é a hora certa, para dar a volta por cima.

Resta saber se vamos ter uma evolução na continuidade ou se acabará por rebentar alguma revolução


[Notas Finais:
1. As editoras não são todas iguais: tanto existem "pequenas" e "médias" que funcionam bem, como outras que funcionam mal; nas multinacionais também não são só maus exemplos - veja-se o caso concreto da EMI/VC, que sabe defender o seu catálogo e lançar, q.b., novos talentos.
2. Apostas em artistas consagrados, que deixaram de ter público e que não vendem, são cruéis para esses projectos, para a editora que perde dinheiro e para o público, que, devido a essas edições, não tem outras de grupos novos mais excitantes.
3. As editoras e as suas opções de gestão são primordiais na indústria da música, mas, constituem, apenas, parte da floresta...]


25 de Fevereiro de 2004, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

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27.2.11

O anti-neurónio

Fazer uma intriga é tão normal para um português como o acto de arrotar num selecto recital no S. Carlos.
Parece que ser pessimista também o é, pelo menos é o que as sondagens indicam e que o nosso senso comum detecta.
Também, com tanta música de sucesso que entrou neste país vinda da zona cinzenta de Manchester… não podia haver melhor nação para uma onda tão cinzenta, tão depressiva, tão negativa. Essa onda, a outra onda, é bem mais positiva que nós.
No lado mau, somos mesmo dos melhores. No Japão, trabalham imenso, produzem à brava por metro quadrado, em Portugal, temos a maior quantidade de depressões por habitante. Não sei se estes dados são reais e estão provados cientificamente, mas, se não são, podiam ser ou, então, os estudos estão errados.
Porém, o português também é campeão da divagação, como a minha prosa dá mostras.
Somos mesmo muito bons, em algumas coisas e dependendo da perspectiva…

Voltando atrás, diga-se que o português maneja bem a arte da intriga.
Chegado ao trabalho, é fácil aniquilar um colega chato (leia-se, competente, pontual e produtivo) só porque gagueja um pouco ou porque tem a voz algo aguda.
“Hum… o Zé é larilas.”
Basta uma deixa e o coitado do Zé vê a carreira arruinada por um indivíduo que, no bar, é machão, mas que, em casa, se costuma divertir a vestir a lingerie da mulher. Uma opção de vida como outra qualquer. O Zé é que não tinha culpa...
A intriga pequena ou grande não tem fim, mas, que tem isto a ver com o blogue?
Ok, divaguei até aqui para mostrar que, mesmo num blogue tão inofensivo como este, existem coisas que acontecem.
Na secção de comentários é corrente a aparição de análises enviesadas aos textos apresentados e, se até ao momento não tive nenhuma ocorrência em crónicas minhas, estou certo que em breve tal acontecerá (outro atributo dos portugueses que partilho, a capacidade da previsão).
A manipulação propositada de palavras que gerem equívocos, discussões, polémicas, é muito compensadora e ajuda a gastar o tempo em que o patrão pensa ter trabalhador.

Querem um exemplo?
Ora, aqui vai: num destes dias, um dos nossos estimados comentadores anónimos concluiu que este blogue devia chamar-se "anti-blitz". (?)
No meio de uma sonora gargalhada, que assumo não ter conseguido evitar, fiquei zonzo pelos motivos estranhos da comparação, mas, não vale a pena reflectir sobre uma coisa dessas.
Conversando com o criador deste blogue, fiquei a saber que outros nomes foram considerados, embora nenhum estivesse disponível (anti-blitz, anti-tv, anti-nódoas, anti-biótico, anti-manha, anti-tússico, anti-merdas, anti-lixo)… Pensando bem, também preferia o anti-tússico. Sempre servia para tratar da tosse a alguns inúteis e a outros que, sendo úteis, não fazem nada de jeito.
As bocas servem para aquilo que servem, lançar confusão e ver se pega.
Da minha parte o digo, aqui escrevo em nome da música moderna portuguesa, daquela que gosto e daquela que detesto.
Todos os contributos críticos e atentos são válidos, mas, em jeito de prevenção… conotar a minha pena com anti-qualquer coisa é que não.

Chegado aqui, sinto um aperto no estômago.
Se calhar preciso de um anti-ácido - é que esta semana queria escrever uma coisa “séria”.
Prometo que, no próximo mês, tentarei apresentar um texto anti-pasmaceira.
O certo é que a presente crónica nunca imaginou ser escrita.
Tal como os independentes, os neurónios portugueses são muito imprevisíveis.
Por talento, inato, são mesmo anti-neurónios.


[Como vêem o “crime” compensa… a esmagadora maioria dos comentários têm sido muito positivos, interessantes, acutilantes, e eu aqui estive a escrever sobre uma pequena minoria que aproveita o anonimato para escrever disparates. Mas, se são disparates, porque motivo os valorizamos? E de que forma a música avança neste país, se muitos dos agentes envolvidos no meio (músicos, promotores, managers, editoras, …) perdem as energias a guiar na contramão?]

28 de Janeiro de 2004, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

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26.2.11

A união faz a força

Escrever sobre editoras, músicos e rádios é uma tentação cada vez maior, cada vez menos original e termina, normalmente, em violenta tourada.
Tudo, porque o tema conduz a quentes e apaixonadas discussões, em que a razão dá lugar à “latina” emoção, motivando acalorados debates – muitos deles vazios de sentido – culminando com ofensas e amuos de diversa ordem.
Extremar posições não levará a lado nenhum, nem contribuirá para uma serena e lúcida solução dos problemas; é como colocar Bush Jr. a moderar uma cimeira de paz…

A força da música portuguesa encontra-se no sucesso popular, gerado por uma boa canção, munida de um grande refrão – elemento primordial para o êxito.
Este é o início de tudo; o verbo, neste caso, é o refrão! Sempre foi assim, o segredo está bem divulgado e é do conhecimento de toda a gente.
Apesar de outras décadas com boas castas, a receita daquilo que o povo gosta tem a sua melhor colheita nos anos 80, como os estudos de mercado bem atestam. Foram os tempos do “boom” do rock português e de grandes sucessos internacionais, com temas fortes e refrões orelhudos.

Talvez o que falte neste momento seja uma clara aposta na canção, pensada e elaborada numa perspectiva de consumo radiofónico e televisivo – não defendo uma “canção comercial”, stricto sensu, mas, sim, uma canção forte e em que essa força seja sinónimo de que o público gosta; e se o povo gostar é porque é comercial!
É estranho constatar que, dos novos projectos, poucos chegam ao grande público, ao invés dos nomes consagrados, sábios na elaboração do sucesso, mas, cada vez menos aptos a surpreender ou a ousarem na criatividade, contribuindo, assim, para o pântano actual.
Porém, existindo novos projectos, com potencial, porque motivo poucos são editados?
Ou, porque razão, aqueles que são editados não alcançam uma projecção adequada?
As nossas editoras deviam adaptar-se aos tempos modernos, seleccionando projectos na óptica do consumidor. Para tal, umas sessões – semelhantes àquelas que as rádios fazem nos seus estudos – em que os temas (de novos grupos e, porque não, de pré-produções de novos trabalhos de consagrados?) fossem apresentados e votados, por uma plateia representativa, mostrariam o “eco do povo”.
Bastavam estudos, como, sabiamente, o músico Ulisses defendeu na crónica “Os EUgénios da música portuguesa”.
Tendo por base esse e outros dados comerciais, estou certo de que o trabalho das editoras seria mais profícuo e que a divulgação nas rádios seria mais efectiva, porque todos estariam a falar no mesmo idioma. Por exemplo, as editoras deviam usar temas promocionais adequados ao target de cada estação (um pop-rock numa rádio adulta, um rock mais a abrir numa rádio jovem). Se os públicos de cada segmento de rádios é diferente, porque motivo um mesmo trabalho só pode ter um tema promocional de cada vez?
E, nisto, tenho de ser directo: as rádios vivem em pleno século XXI, as editoras permanecem num trabalho à século XX português.

Nesta história, os músicos são os menos culpados, mas, sendo as principais vítimas, devem reflectir.
Os novos nomes devem saber ponderar a sua posição e os compromissos que possam vir a assumir, com ou sem concessões, dependendo da sua própria opção artística e conscientes das implicações da opção tomada.
Todavia, apesar das rádios estarem mais evoluídas do que as editoras, não terão, também, a sua quota parte de responsabilidade no marasmo em que se transformou a nossa indústria musical?
Claro que têm e por motivos bem diversos... Primeiro, porque parecem ter abandonado a vertente formativa do auditório, em segundo, porque os animadores cada vez se preocupam menos em perceber de música e, por último, porque não se compreendem algumas omissões nas apostas musicais.

No final destas linhas constato o evidente: o objectivo geral é comum aos diversos intervenientes do meio musical.
As editoras procuram promover e vender as suas edições discográficas.
Os músicos ambicionam gravar, mostrar o seu trabalho, ao vivo e em estúdio.
Como as principais rádios não se querem transformar em “rádios nostalgia” precisam de novas canções e de novos sucessos.

Em nome da evolução da música e das próprias rádios, é necessária uma aposta conjunta.
Um trabalho conjugado e honesto seria vantajoso para todos.
Um trabalho forte como um bom refrão.
Porque a força de um refrão é a força de uma canção; e isso reflecte-se em qualquer votação.

Ora, meus amigos, não será a música a causa de tudo isto?
Que tal esquecer guerras antigas e beber o champagne do futuro?
Em época de paz, aguardo boas colheitas no próximo ano.
A todos, Feliz Natal, Próspero Ano Novo.

Lisboa, 23 de Dezembro de 2003


31 de Dezembro de 2003, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

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24.2.11

Sem carga de trabalho

Adormeci, extenuado, depois de mais um dia de trabalho.

John Mayall tem concertos agendados para Portugal!”, diz-me Sara, acercando-se de mim e mostrando-me uma pequena publicidade inserida na revista Visão.
Com os olhos brilhantes de satisfação, esbocei um convincente “Óptimo!”.
Afinal, realizara, para o programa Atlântico, de Bruno Pereira, uma crónica e uma crítica sobre o excelente CD “Stories” – último álbum de estúdio do pai dos blues britânicos, editado no ano passado.
“Vou agendar uma entrevista” – pensei.
40 anos de Bluesbreakers e 70 anos de idade (neste mês de Novembro) comemorados num grande concerto de reunião com Mick Taylor, Chris Barber e Eric Clapton (DVD a sair brevemente), eram motivos acrescidos para essa entrevista.
No dia seguinte, salvaguardei um bom lugar e comprei bilhetes para o concerto na Aula Magna em Lisboa. Estaria presente, com ou sem trabalho, pelo que, não procurei acreditações gratuitas…
Nesse mesmo dia, contactei a empresa promotora do evento que me direccionou para a editora portuguesa responsável pela distribuição e promoção das edições da EAGLE.
Numa primeira conversa, fiquei a saber ser o único (!) interessado numa entrevista…
“Tudo bem”, disseram-me, “é o primeiro jornalista a pedir-nos uma entrevista, vamos contactar o John Mayall e depois telefonamos”.
Dias passaram e, à boa maneira lusitana, o prometido contacto não dobrava o Cabo das Tormentas.
Nas 48 horas anteriores ao concerto, foram diversos os contactos que tive de estabelecer.
Na véspera, ficara a saber que, segundo a EAGLE, “John Mayall é uma pessoa muito acessível e que, certamente, não se importaria de dar a entrevista. Na noite do concerto talvez não, mas no dia seguinte, sem qualquer problema.”
Agendar a dita é que não, pois, decorridos estes dias, ainda não tinham conseguido conversar com o músico.
Uma hora antes do espectáculo começar e após insistentes telefonemas, escutei um “duvidoso”, mas definitivo, “nada feito”.
Pouco depois, assisti a um estrondoso e monumental concerto de blues.
Profissional e com grande humildade (pediu luz para ver o público, dialogou, sorriu imenso e cedeu, mesmo, autógrafos no decurso do encore!), John Mayall arrasou, esquecendo e fazendo esquecer a sua idade.
Foi um monstro do principio ao fim; uma lenda viva.
Saí arrepiado da Aula Magna.
E, arrepiado, acordei do sonho com que iniciara esta crónica.

Muitas das editoras portuguesas continuam iguais a si próprias: não promovem e não deixam promover!
Por algum motivo, “Stories” subiu ao primeiro lugar do top de blues da Billboard, mas, por cá, ninguém conhece o disco.
Uns geram milhões, outros preferem tostões.

Vou adormecer, desolado, sem ter feito a entrevista programada.
E não a fiz, porque alguém não soube (ou não quis), fazer aquilo que é “só” o seu trabalho.



[Aqueles que são maus intervenientes na nossa indústria musical não podem continuar a encarar a sua profissão como um mero emprego. Trabalhar em música exige alguns predicados… para começar, é essencial “perceber da poda”, que é como quem diz, perceber de música.
Depois, é necessário ter consciência que a música é uma arte, uma emoção, uma criação.
Os músicos são artistas e quem trabalha neste meio tem de saber o seu real significado e o seu efectivo lugar. O “famoso” é o músico e não o próprio profissional que trabalha na editora.
A “vedeta”, aqui, não é o promotor discográfico; mas, por vezes, este é uma “vedeta” inebriada por “neons” alheios e, pior – muito pior – que o verdadeiro artista!
John Mayall não necessita deste Portugal dos pequeninos para cimentar a sua carreira, ao invés, os nossos músicos sem as editoras estariam numa carga de trabalhos…
Ou pelo contrário, vão aumentar, exponencialmente, os discos em edições de autor, aproveitando as potencialidades da internet e com promoções lideradas e controladas pelos próprios autores?]



19 de Novembro de 2003, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

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23.2.11

Os reis do quintal

Os músicos portugueses têm vindo a reclamar uma maior divulgação da produção nacional nas nossas rádios.
Curioso que esse movimento tenha surgido agora, quando se sabe que a divulgação nunca promoveu franjas significativas das edições de novos nomes.
O que terá preocupado, então, um conjunto tão vasto de compositores e de músicos, ao ponto de terem criado uma Associação?
Estarão apreensivos com a perda dos valores culturais portugueses, com a falta de apoio aos novos nomes, ou ficaram, subitamente, preocupados com o pouco airplay dos seus próprios reportórios?
É sabido que os concertos ao vivo são dominados pelos mesmos de sempre, ano após ano.
Esporadicamente, surge um “fenómeno”, como os Silence 4 ou o Pedro Abrunhosa, mas, são excepções!
Esta falta de novos nomes está relacionada com a ausência de novos projectos musicais?
Claro que não!
Temos novos grupos de sobra para que cresçam e para que se assumam, enquanto nova geração, na nossa música.
Quem se recorda das dezenas e dezenas de maquetas analisadas na extinta Revista Ritual, pergunta “onde estão, em 2003, aqueles projectos, alguns deles com grande potencial?”.
Para além de outras coisas, igualmente importantes, falta algo essencial no meio musical português.
Falta que os músicos consagrados estendam a mão aos novos valores, apostando em bandas que toquem nas suas primeiras partes.
Xutos & Pontapés ou UHF já o fizeram, ou ainda o fazem, mas, são meros exemplos num mar de excepções.
E quando tal acontece, raramente representa uma digressão completa, mas, apenas, actuações pontuais, quando as organizações dos eventos a isso estão dispostas.
Se estes nomes grandes, nas suas digressões anuais, incluíssem uma primeira parte, estariam a auxiliar a geração vindoura da nossa indústria musical.
Tal não acontece por uma questão de custos?
Não; qualquer banda nova toca por valores ridiculamente pequenos e nada significativos no bolo que qualquer nome de relevo pratica.
Mas, para que estas primeiras partes sejam possíveis, o valor do cachet do grupo de topo deve incluir, logo, todo o pacote.
Isto, porque o típico promotor português prefere poupar uns trocados, em vez de ter um espectáculo com mais qualidade e maior interesse…
Este principio pedagógico, em que músicos com maior projecção ajudassem artistas em fase inicial de carreira, poderia proporcionar uma alteração positiva.
Os pequenos grupos podiam crescer, musicalmente, ao vivo e seria mais fácil mostrarem o seu valor às editoras e ao público em geral.
Que motivos não permitem que isto aconteça?
O facto dos veteranos terem subido a pulso e sem ajuda de ninguém?
Naturalmente que isso aconteceu em 1980/82, mas, nessa altura, pouco ou nada existia na estrutura rock da nossa indústria.
Os tempos actuais são outros e a própria forma de encarar o negócio musical também.
Creio que a sensibilidade e a vontade de apoiar estão a aumentar, mas, em jeito de provocação saudável, não posso deixar de questionar:
Será que os nossos músicos veteranos e com carreira cimentada não se preocupam com o desenvolvimento e com o futuro da música portuguesa?
Ou, por outro lado, estes mesmos músicos, na sua esmagadora maioria, não querem criar condições que levem ao surgimento de novos valores?
Terão receio de perder quota de mercado nesta área de negócio?
Terão medo de deixarem de ser os reis neste quintal?

29 de Outubro de 2003, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

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22.2.11

Cromos que não descolam

Guardo memórias muito positivas das cadernetas de cromos que coleccionei, há muitos anos atrás.
Recordo-me que, em qualquer caderneta, existiam, sempre, alguns cromos mais raros e que dificultavam o finalizar da colecção: eram cromos raros, mas, bons.
Quando a infância e a adolescência se fartaram de mim, essas cadernetas sumiram da minha vista.
O estranho é que, à medida que isso foi acontecendo, os cromos de papel foram sendo substituídos pelos cromos de carne e osso.
Dizer que Portugal é um pais com muitos cromos, não é novidade para ninguém.
A música, então, é um mundo cheio de cromos…
Sem esquecer os cromos que existem em maior fartura (organizações “manhosas”, intermediários “duvidosos”, etc, etc, etc…), tenho especial aversão a uns, em particular.
Refiro-me aos maus críticos, àqueles que escrevem umas coisas e que destroem outras.
Julgo que todos os trabalhos musicais merecem respeito, mesmo aqueles que são, na minha visão, muito maus.
Ao analisar um novo álbum, é essencial saber “escutar” e saber “avaliar”. Depois, é necessário ter a arte, a sensibilidade e o engenho de colocar, no papel, uma opinião sólida, válida e honesta sobre esse CD.
Redigir críticas discográficas às dúzias, enquanto se realizam reportagens de concertos e entrevistas avulsas, não pode possibilitar tempo suficiente para uma audição de todos os CD’s, sobre os quais se devem emitir opiniões. Nem permitirá que o crítico escute trabalhos anteriores do artista em questão ou que se documente sobre o mesmo, numa busca de informação e de contextualização musical.
Qualquer artista, mais jovem ou veterano, pode ver a sua carreira em cheque por uma crítica menos séria.
O que me preocupa não são as opiniões lúcidas e correctas, negativas ou positivas, mas, tão só, a falta de profissionalismo e de respeito como muitas outras são feitas.
Dizer que um artista veterano está “senil” ou que um grupo novo “devia ir trabalhar nas obras” são opiniões que não pertencem à categoria de “crítica discográfica”.
Seria interessante verificar que formação e conhecimentos musicais possuem tais pessoas…
Pessoas, que aparecem vindas do vazio e que acabam por desaparecer, deixando mau rasto…
Isto porque uma análise negativa, apresentada de uma forma destrutiva, num jornal de grande âmbito, pode ser motivo suficiente para que um grupo, numa primeira edição, veja a sua vida desaparecer.
Estes são os cromos que prejudicam qualquer colecção.
E, ao contrário dos que tinha de colar nas cadernetas, são frequentes e maus.

09 de Outubro de 2003, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

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21.2.11

O Rock nasceu do sangue

Os escravos podem ser julgados, vendidos, alugados, avaliados, sentenciados como sendo bens móveis na mão dos seus senhores e donos, ou dos seus carrascos, administradores e procuradores, qualquer que seja a finalidade, construção ou propósito.
Código Civil da Carolina do Sul, século XIX

Para conhecer a essência do Rock’n’Roll, temos de partir desta realidade.
Vindos de África e transportados em condições inacreditáveis, chegaram, à América, mais de dois milhões de escravos, entre 1680 e 1786.
Estes escravos trouxeram consigo a música e a tradição dos seus antepassados e seria este o embrião para o surgimento da música afro-americana, que havia de transformar o mundo musical do século XX.
Os Blues nascem nas canções de trabalho dos escravos, não podendo ser uma música alegre e feliz.
São músicas tristes, melancólicas e sofredoras, mas, simultaneamente, imaginativas, tanto na forma como no conteúdo.
Após a abolição da escravatura, as canções de trabalho perdem significado e os Blues destacam-se.
Retratam episódios concretos da existência humana: a vida, a morte, o ódio, o amor, o medo, a solidão, a angústia, o ciúme... percorrem sons pungentes, soltam gritos da alma, que ecoam e sublinham quotidianos e emoções, que lhes dão força e que lhes dão voz...
Música negra na sua origem, os Blues não são exclusivo de uma raça, sendo comungada por muitos brancos que lutaram e morreram ao lado dos negros, em prol de ideais comuns de liberdade.
Quem não entender os Blues, nunca poderá entender o Jazz nem o Rock!

O espírito do Rock tem estado presente em diversos projectos musicais, desde 1955, que inovaram e que projectaram novos movimentos sociais e culturais.
Little Richard, Elvis Presley, Beatles, Rolling Stones, Doors ou Bruce Springsteen são exemplos de irreverência, de rebeldia, de inovação e de revolução no “status quo” instalado.
Esta é a razão de ser do Rock, mas, desde cedo, a indústria e os “comerciantes” viram, neste “produto”, uma forma de ganhar (muito) dinheiro.
Muitos projectos e grupos foram “inventados” pela indústria, numa perspectiva meramente comercial, subvertendo, por dentro, o real significado de um movimento que nasceu de uma forma ingénua, espontânea e imparável.

Em Portugal, a revolução dos cravos, em 1974, põe fim a um regime de ditadura.
As canções de intervenção – censuradas, até então – passam a dominar as ondas hertzianas.
Os jovens vivem e lutam no seio de uma sociedade em ebulição.
A instabilidade agrava problemas sociais, cada vez mais complexos, greves, inflação, taxas de juro elevadas, falências e desemprego; a juventude mergulha em experiências diversas: o álcool, a droga, a violência e a marginalidade suburbana.
Surgem grupos musicais, fartos da ditadura imposta pelas canções de intervenção, com retratos do seu inconformismo.
25 anos depois de “Rock Around The Clock”, tivemos, em Portugal, o “boom” do rock português.
Finalmente, o rock aparecia cantado na nossa língua e com grandes sucessos.
Rui Veloso, UHF, Taxi, GNR, Ja’fumega e Salada de Frutas mostravam várias imagens de um mesmo filme.
Questões sociais eram abordadas com maior ou menor profundidade, mas no ritmo certo da dança redentora.
A agitação de 80 conduz à depressão de 82 e a uma certa sustentação, anos depois.
Tudo existe porque “existiu” um “boom”.
Contudo, permanecemos com um atraso significativo em relação ao exterior...
Lá fora, em 2003, o meio musical é mais maduro.
Cá e lá, os Rolling Stones enchem estádios e ninguém se preocupa com a sua idade.
Por cá, os GNR ou os UHF são esquecidos para Festivais de Verão ou para concertos de grande dimensão.
Lá e cá, Bruce Springsteen é capa de jornais e revistas.
Por aqui, ninguém se recorda da última vez em que os UHF foram capa no Blitz.
Lá fora, Bob Dylan é falado para Nobel da Literatura.
Por cá, António Manuel Ribeiro é um poeta marginal, numa sociedade sem alma, sem causas, sem rumo.
Uma sociedade que prefere ser acéfala, fugindo da revolução que fervilha em vulcão fumegante.


17 de Setembro de 2003, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

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