24.7.09

As palhas não bulem

“quase todas as canções foram belas e nem uma palha buliu: se o concerto começou calmo, bem calminho acabou.” João Bonifácio, Público, 27 de Junho de 2007 (concerto de Aimee Mann)

“O Belenenses joga e há duas dezenas de velhinhos nas bancadas, nem uma palha bule, é um sossego.” João Bonifácio, Público, 20 de Julho de 2009 (festival SBSR)

Todos os meus amigos assim como demais população que acompanha o meu blogue sabe que sou sócio do Belenenses. Um daqueles associados que tem “quota azul” e que a utiliza para assistir a 5 ou 6 jogos por época. Também, toda a gente sabe as ligações que teimo em manter ao mundo da música e ao jornalismo. Enfim, são gostos e opções que nem sei bem quando surgiram.

Hoje, vou misturar futebol com música e dar uma opinião pessoal sobre uma polémica que agitou a última semana. Quem acompanha o jornalismo musical português conhece bem o nome em questão. João Bonifácio é famoso pelos seus textos altamente críticos e devastadores para com os diversos artistas que têm o azar de estarem na mesma sala que ele. Também é conhecido por ter feito uma série de confusões numa entrevista a Camané, quando traduziu a palavra “ombre” da canção “Ne Me Quittes Pas” de Jacques Brel para “ombro”. Só que em francês “ombre” é “sombra”. Assim sendo, os versos “deixa-me ser a sombra da tua sombra / a sombra da tua mão / a sombra do teu cão”, transformaram-se em “deixa-me ser o ombro do teu ombro / o ombro da tua mão / o ombro do teu cão”.

Porém, creio que aquilo que ocorreu no passado dia 20 de Julho foi o ponto mais alto da sua contestada carreira. Entre ataques ferozes a tudo o que mexeu musicalmente no Festival SBSR, João Bonifácio decidiu apimentar o texto com diversas menções ao Clube que é proprietário do estádio onde ocorreu o evento. Desde referências às alegadas “duas dezenas de velhinhos” que assistem aos jogos (oficialmente, na época passada, o Belenenses foi o sétimo clube em assistências, com mais de 4 mil espectadores por jogo), passando por afirmações de que fazer algo do género naquele local quase parecia “uma acção de beneficência” pode-se ler de tudo um pouco.

Nesta matéria de “beneficência”, o Restelo tem estado desde sempre associado a grandes acontecimentos musicais, pelo que, as considerações realizadas ao Clube e ao Estádio pecam, igualmente, por esquecimento ou outra coisa qualquer. Recordo-me, ainda muito bem, da loucura que foi a vinda dos Police (1980), Roxy Music (1982) ou de Rod Stewart (1983). Mais recentemente, por lá passaram Metallica (1996), Pearl Jam (2000), Smashing Pumpkins (2000) ou Lenny Kravitz (2002). Mesmo o Pavilhão do Belenenses tem histórias importantes para contar. Classic Noveaux ou Xutos & Pontapés (o clássico triplo ao vivo foi lá gravado) são excelentes exemplos. O próprio Clube tem ligações estreitas ao meio artístico e Carlos do Carmo, Raul Solnado, João Pedro Pais, Francisco Nicholson ou Luís Represas são outras personalidades bem conhecidas que são sócias do Belém. A maior figura da música portuguesa de todos os tempos, Amália Rodrigues, era, igualmente, belenense. Ou seja, tanto o Estádio do Restelo como o próprio Clube possuem ligações históricas, afectivas e efectivas ao mundo musical e artístico.

Quem me conhece sabe bem que sou um defensor da liberdade de opinião e de expressão. Tenho tudo a favor de uma escrita mordaz e demolidora quando se avalia negativamente um espectáculo. A questão é que tal deve e pode ser realizado de forma correcta e sem que pareça estarmos no meio de um cenário de guerra. A língua portuguesa é suficientemente rica para que consigamos adjectivar sem que ultrapassemos a fronteira da visão crítica e entremos num campo de agressão verbal injustificável. Falar do Belenenses da maneira que João Bonifácio o fez só poderia ter maus resultados. Talvez a habitual pacatez com que os homens do Restelo reagem a situações que fariam perder a cabeça a todos os outros clubes nacionais ajudem a compreender o atrevimento. Todavia, desta feita, a situação entrou em descontrolo total e não faço ideia do que sucederia se João Bonifácio aparecesse bem identificado pelo Estádio do Restelo. O feedback ao que escreveu foi de tal ordem, que, ontem, em editorial, o jornal Público, através de Nuno Pacheco, apresentava as suas desculpas, afirmando que “(...) o Belenenses, pela sua história, actividade e prestígio, merece um público e sincero pedido de desculpas (...)”.

Aparentemente, e por muito estranho que possa parecer, devemos retirar dois ensinamentos de tudo isto. O primeiro é que, quando a Direcção reage, o nome do Belenenses não é achincalhado; o segundo é menos evidente, mas, absolutamente óbvio: apesar da fixação e da insistência nessa ideia, a palha não bule.

Na verdade, o meu avô costumava usar a palha para alimentar o gado.


links interessantes:
Texto de João Bonifácio
Notícia Blitz
Provedor do Público

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