23.2.11

Os reis do quintal

Os músicos portugueses têm vindo a reclamar uma maior divulgação da produção nacional nas nossas rádios.
Curioso que esse movimento tenha surgido agora, quando se sabe que a divulgação nunca promoveu franjas significativas das edições de novos nomes.
O que terá preocupado, então, um conjunto tão vasto de compositores e de músicos, ao ponto de terem criado uma Associação?
Estarão apreensivos com a perda dos valores culturais portugueses, com a falta de apoio aos novos nomes, ou ficaram, subitamente, preocupados com o pouco airplay dos seus próprios reportórios?
É sabido que os concertos ao vivo são dominados pelos mesmos de sempre, ano após ano.
Esporadicamente, surge um “fenómeno”, como os Silence 4 ou o Pedro Abrunhosa, mas, são excepções!
Esta falta de novos nomes está relacionada com a ausência de novos projectos musicais?
Claro que não!
Temos novos grupos de sobra para que cresçam e para que se assumam, enquanto nova geração, na nossa música.
Quem se recorda das dezenas e dezenas de maquetas analisadas na extinta Revista Ritual, pergunta “onde estão, em 2003, aqueles projectos, alguns deles com grande potencial?”.
Para além de outras coisas, igualmente importantes, falta algo essencial no meio musical português.
Falta que os músicos consagrados estendam a mão aos novos valores, apostando em bandas que toquem nas suas primeiras partes.
Xutos & Pontapés ou UHF já o fizeram, ou ainda o fazem, mas, são meros exemplos num mar de excepções.
E quando tal acontece, raramente representa uma digressão completa, mas, apenas, actuações pontuais, quando as organizações dos eventos a isso estão dispostas.
Se estes nomes grandes, nas suas digressões anuais, incluíssem uma primeira parte, estariam a auxiliar a geração vindoura da nossa indústria musical.
Tal não acontece por uma questão de custos?
Não; qualquer banda nova toca por valores ridiculamente pequenos e nada significativos no bolo que qualquer nome de relevo pratica.
Mas, para que estas primeiras partes sejam possíveis, o valor do cachet do grupo de topo deve incluir, logo, todo o pacote.
Isto, porque o típico promotor português prefere poupar uns trocados, em vez de ter um espectáculo com mais qualidade e maior interesse…
Este principio pedagógico, em que músicos com maior projecção ajudassem artistas em fase inicial de carreira, poderia proporcionar uma alteração positiva.
Os pequenos grupos podiam crescer, musicalmente, ao vivo e seria mais fácil mostrarem o seu valor às editoras e ao público em geral.
Que motivos não permitem que isto aconteça?
O facto dos veteranos terem subido a pulso e sem ajuda de ninguém?
Naturalmente que isso aconteceu em 1980/82, mas, nessa altura, pouco ou nada existia na estrutura rock da nossa indústria.
Os tempos actuais são outros e a própria forma de encarar o negócio musical também.
Creio que a sensibilidade e a vontade de apoiar estão a aumentar, mas, em jeito de provocação saudável, não posso deixar de questionar:
Será que os nossos músicos veteranos e com carreira cimentada não se preocupam com o desenvolvimento e com o futuro da música portuguesa?
Ou, por outro lado, estes mesmos músicos, na sua esmagadora maioria, não querem criar condições que levem ao surgimento de novos valores?
Terão receio de perder quota de mercado nesta área de negócio?
Terão medo de deixarem de ser os reis neste quintal?

29 de Outubro de 2003, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

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