11.3.11

Um projecto global

Intro

Em outros tempos, Portugal era maior do que o Rossio; hoje em dia, qualquer mapa do Continente e Ilhas cabe na Betesga.
Estou farto desta treta de ser pequeno!
Quando andava na escola, aprendi, em "História de Portugal", que os portugueses eram fabulosos e que descobriram meio mundo. À medida que fui crescendo, a grandeza de Portugal foi mirrando, mirrando...
São ciclos e eu estou a viver na época em que este país se encontra numa região manhosa de Espanha.
Em 1974, libertou-se uma tendência de globalização que, ainda, não deu mostras de parar.
Passou a ser sinónimo de modernidade atestar os nossos estômagos num McDonald's e numa Pizza Hut.
Tirando o ridículo da ausência de amor próprio, Portugal foi vivendo, cada vez mais, numa sociedade globalizada, das mais felizes e contentes por perderem a identidade cultural.

Sempre divulguei, apoiei e estive ligado ao rock português.
Acompanhei o "boom" de 1980, como ouvinte, e passei a "homem da rádio" em 1986/87, altura em que entrevistei muito músico e travei amizade com o nosso camarada de blogue, António Manuel Ribeiro.
No início dos anos 90, realizei um programa de rádio somente vocacionado para a música moderna portuguesa. A "coisa" durou uns 4 anos e fui sendo consumido com as novidades que me chegavam pelo correio, num momento em que a "moda" de cantar em inglês começava a dar sinais de crescimento. Das largas dezenas de maquetes que recebia e que divulgava, poucas se aproveitavam e menor era o número das eleitas de que gostava. O esgotamento motivado pelo cansaço de ter de escutar, entrevistar e passar tanta coisa horrorosa fez mossa.
Claro que passava quase tudo o que recebia, desde que tivesse uma produção aceitável ou ideias interessantes, mesmo não gostando, porque o objectivo era divulgar... podia ser verdade que alguém apreciasse!
No momento em que eu próprio deixei de ter interesse em escutar o meu programa, as emissões terminaram e dediquei-me a outros debates e a outras lutas.
Nessa fase, tínhamos imensos grupos novos e poucos com verdadeiro interesse, pelo menos, para mim!
A originalidade era escassa, as melodias quase sempre uma desgraça, os vocalistas usavam um inglês macarrónico e os músicos, ainda, estavam na terceira classe, apesar de serem melhores executantes que o pessoal de 80/82.

Em 2004, muita coisa mudou.
Temos uma boa quantidade de projectos com nível, os músicos são mesmo bons e as melodias ficam no ouvido. A língua vagueia entre um melhor inglês e um tímido retorno ao português.


Mercado Interno

Ao contrário de outros tempos, temos, actualmente, projectos musicais em quantidade, qualidade e diversidade.
Falta é que estes grupos saiam em definitivo do limbo onde se encontram e passem a tocar, a gravar e a serem escutados na rádio e na TV.
Ora, aqui é que a porca torce o rabo...
A TV, cada vez a maior referência nas audiências, não tem programas de entretenimento suficientes e as telenovelas não chegam para todos...
As rádios... bem, a divulgação nas rádios é matéria já batida e convenientemente debatida, pelo que, desta vez, não vejo necessidade de voltar à questão.
Na imprensa escrita, temos diversas publicações, mas, a referência continua a ser o Blitz, que, apesar de estar a trabalhar bastante melhor do que no passado recente, permanece sem concorrência; é como se, em Portugal, só existisse uma TV ou uma rádio de grande expressão. Ou uma editora.
Chegamos às editoras... num mercado em crise, em que poucas apostas são feitas e em que as editoras vivem dificuldades económicas.
A tendência corre no sentido de parcerias entre músicos e editoras, numa mudança considerável em relação ao passado recente. O caminho pode passar por uma aposta financeira dos próprios músicos e uma parceria (com acordo prévio, se possível) com uma editora que garanta a edição, promoção e distribuição. Ganham as editoras porque não investem em estúdio e, provavelmente, os músicos porque as contrapartidas financeiras das vendas poderão ser muito melhores.

Mas, quando o que está em causa é a própria existência da música portuguesa, não deveria o Estado olhar para os nossos músicos de uma forma diferente? Não são eles próprios agentes culturais?


Cultura ou Indústria?

Em 1991, inserido numa Associação Juvenil, organizei uma Conferência sobre Ambiente.
Naturalmente, foram feitos diversos contactos para patrocínios, entre os quais, os inevitáveis Ministério do Ambiente e Secretaria de Estado da Juventude.
Para abreviar, nenhum deles patrocinou, o primeiro porque considerou que o apoio devia ser prestado pelo segundo e o segundo porque alegou que a esfera de acção era responsabilidade do primeiro!
Será a música não erudita, quer seja electrónica, pop, fado, rock ou de outro estilo qualquer, um produto industrial ou um produto cultural?
Pelo comportamento dos organismos oficiais, parece-me que se repete a história da Conferência. Depende do ângulo?
Caso fosse a música considerada cultura, não deveria ter um tratamento semelhante a outras artes?
Não deveriam ser concedidos apoios, como acontece em outras áreas, nomeadamente, no teatro e no cinema? No mínimo, não deveria existir uma tributação de 5% de IVA?


Visão ou Alucinação?

Sobre os apoios financeiros à música portuguesa e buscando o exemplo do cinema, não seria tempo de reflectir, seriamente, acerca desta questão?
Passeando pelo site do ICAM (Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia) e olhando para os concursos de 2004, vou escolher um entre diversos, no caso, o "Apoio Financeiro à Criação e Produção Cinematográfica". Dentro deste Apoio em concreto e só em relação a "Longas Metragens de Ficção", temos 6 projectos que irão receber um total de € 3.900.000,00... qualquer coisa como 780 mil contos.

Com uma verba desta dimensão, se usada pelos músicos portugueses, quantos discos se conseguiriam gravar e promover por ano?

Claro que, com apoios desta ordem, o Estado podia enquadrar essa aposta num pensamento global.
A primeira contrapartida podia ser um compromisso em termos de preço de venda dos CDs apoiados, necessariamente a valores muito inferiores aos praticados, tentando generalizar-se essa medida a todos os discos de música portuguesa.
Se tivermos os CDs de música portuguesa a 10 euros, vamos incentivar as vendas, o conhecimento público, o fomento do gosto dos portugueses pela sua música e, talvez, alterar mentalidades...

Todavia, este apoio à produção musical podia ter um espaço ainda mais vasto: o da indústria e o da exportação.


Exportação: Utopia?

A tal globalização em que Portugal é "excelente aluno" pode ter muitos aspectos negativos, mas, também, tem lados positivos.
Um deles é que estando o "Euro 2004" tão próximo, seremos óptimos conselheiros para os turistas que nos visitem, nas "ementas tipo" das grandes cadeias de "fast food".
Outro aspecto positivo é que esta onda de bandas de valor, com sonoridades diversificadas e actuais, só podia surgir num país tão aberto ao exterior.
Exemplos como Madredeus, Moonspell ou Fonzie mostram que é possível exportar a nossa música.
Dentro de uma linha de apoio, de aposta na música portuguesa, o Estado, depois de consolidar a etapa interna, usando o meio Internet e o organismo ICEP, poderia trabalhar os nossos valores numa perspectiva de exportação.
Por seu lado, o ICEP, a AFP, a SPA e demais organizações ligadas à música criariam um movimento global.
Naturalmente que feiras de música como o MIDEM seriam de muita importância, mas, deviam ser exploradas outras potencialidades como Mostras de música em capitais mundiais.
Um portal com mp3 gratuitos e políticas concertadas poderiam abrir caminhos - como campanhas de publicidade dirigida ao portal nas principais revistas internacionais da especialidade... - despertar a curiosidade, motivar a audição e, estou certo, as divisas que entrassem, iriam justificar a aposta porque esta Indústria está bem mais evoluída do que o nosso Cinema.

No passado, demos novos mundos ao mundo.
Este é o "timing" para dar música!



Esclarecimentos adicionais:
1. O meu programa de mmp cessou na busca de novos desafios e não, somente, pela falta de qualidade das maquetes que recebia, porque quem corre por gosto descansa depressa.
2. Sugiro que descobramos uns locais típicos lusitanos para recomendar aos turistas, incluindo o "Rock Rendez-Vous" e o "Johnny Guitar".

Notas pessoais:
1. Na TV precisamos de mais homens como o Júlio Isidro.
2. Saúdo a iniciativa do Bruno Gonçalves Pereira e o espírito de colaboração que emerge no blogue.
3. Uma palavra de estímulo para o Nuno Ávila e Fausto da Silva, dos "Santos da Casa", e para todos aqueles que apoiam e divulgam a nossa música: o vosso trabalho é notável.

Dúvidas existenciais:
1. O lobbie da indústria livreira será mais unido e estará melhor organizado do que o ligado à música?
2. Querendo discutir a "música moderna portuguesa e o futuro", porque motivo alguns comentários no blogue são dignos exemplos do conservadorismo do "Velho do Restelo"?
3. Que dignidade pode advir a organizações que "contratem de borla" novas bandas para Festivais que rendem rio's de dinheiro?

Agradecimento Final:
À recente participação activa de David Ferreira neste blogue e às palavras do seu comentário.

Lamento Final:
A Capital já não conta com o "Rock Rendez-Vous" e com o "Johnny Guitar"?

Desejo Final:
Ser incluído no jantar que o Ulisses prometeu ao Bruno Gonçalves Pereira. No restaurante "A Herdade", em Porto Côvo?

Ideia Final:
Aproveitando o "Euro 2004", vamos mostrar alguma música a esses turistas? Alguém pensou num CD compilação para estes visitantes receberem?

Ponto Final.


28 de Abril de 2004, originalmente publicado no blogue "Canal Maldito".

Link para post original.

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