20.9.06

UHF em noite azul

Além de diversas entrevistas, ao longo dos tempos, mantenho uma relação de amizade com António Manuel Ribeiro desde há muito.
Quando o entrevistei pela primeira vez, o líder dos UHF transportava consigo uma fama de "mau rapaz" e de "vedeta" pouco recomendável. Porém, na realidade, em 1987, ele era mesmo uma vedeta e uma estrela cintilante no nosso panorama musical. Mais de cem mil discos vendidos com o single "Cavalos de Corrida" (1980) e o longa-duração "À Flor da Pele" (1981) que incluía os sucessos "Rua do Carmo", "Modelo Fotográfico" e "Rapaz Caleidoscópio" eram motivos suficientes para uma histeria colectiva. Contudo, a fama de "mau rapaz" foi conquistada fruto da sua escrita rock de caracteristicas únicas, da identificação constante com Jim Morrison, com uma forte personalidade e com uma determinação e teimosia que persistem nos dias de hoje.
Pelos UHF passaram muitos músicos e, ao correr dos anos, António Manuel Ribeiro sofreu inúmeras críticas devido à sua alegada prepotência. Ainda hoje, muita gente me pergunta como é possível ser seu amigo, ao que respondo com um sorriso, explicando que nem tudo o que se diz é necessariamente verdadeiro. Todavia, mesmo sendo complicado conseguir explicar o que nos leva a ter uma pessoa como amiga, e não a sua vizinha do lado, talvez eu e o António permaneçamos amigos devido à nossa - tão boa e tão má - frontalidade.
O certo é que nunca compreendi o motivo pelo qual António Manuel Ribeiro tem, perante certa comunicação social, a fama de ser complicado de entrevistar. Naturalmente que, dado o estado das coisas, posso até considerar que tal observação seja um elogio.

Vem tudo isto a propósito dos concertos que os UHF vão dar nos Coliseus de Lisboa e Porto. Dentro desse espírito e dessa temática, redigi uma crónica para o blogue Canal Maldito - publicada hoje - que aqui reproduzo.

Catorze anos depois, os UHF vão regressar aos Coliseus de Lisboa e Porto. Desde então, muita coisa mudou no mundo, em Portugal e no grupo. Em 1992, a formação dos UHF era constituída por António Manuel Ribeiro, Renato Júnior, Toninho e pai e filho Espírito Santo, ou seja, Luís Espírito Santo e Nuno Espírito Santo. Agora, em 2006, o líder carismático dos UHF faz-se acompanhar por outros músicos todos eles da geração do seu filho, António Côrte-Real. Curiosamente, a actual formação da banda mantém-se estável há muito, o que confere um nível de coesão inexistente na anterior experiência dos Coliseus.

Para estas duas datas, 23 de Setembro em Lisboa e 5 de Outubro no Porto, os UHF prepararam um espectáculo que ilustra a história da banda, incluindo temas de todas as épocas e de quase todos os álbuns.

Hoje em dia é normal bandas rock incluírem os Coliseus nas suas digressões, todavia, em 1992 tal não era frequente. Recordo-me bem desse concerto no Coliseu de Lisboa há catorze anos, quando os UHF convidaram Jorge Palma, Lena d'Água e Zé Pedro para participarem em cada um dos três actos que o espectáculo encerrava. Se bem me lembro o espectáculo estaria dividido em três andamentos: "a farsa", "o amor" e "o fogo".
Esse concerto correu muito bem, tendo constituído um ponto muito alto na carreira dos UHF.

Recordo também a véspera do concerto de Lisboa em que partilhei uma mesa de quatro lugares num restaurante próximo do Coliseu com António Manuel Ribeiro, Zé Pedro e Jorge Palma. Estavam, todos eles, entusiasmados com o evento e os dois convidados especiais preparavam-se para o ensaio que iria entrar pela madrugada. Como as coisas estavam atrasadas, ainda deu para uma passagem pela casa de Jorge Palma, onde, de volta de uma Ballantines 12 anos, foi possível ver um episódio dos Simpsons.

Antes desse pormenor de pouco relevo, recolhi diversos apontamentos para o meu programa de rádio. Por exemplo, o depoimento de Zé Pedro - muito interessante, esboçando um sorriso à pergunta se não estaria nos planos da sua banda a passagem pelo Coliseu dos Recreios. Que não, disse ele, pois uma sala como o Coliseu não seria propícia a concertos rock. Considerava que os UHF podiam apostar no Coliseu porque tinham muito mais canções calmas do que os Xutos. Em 2006, e depois de várias actuações dos Xutos neste recinto, a opinião de Zé Pedro pode parecer estranha, porém quem se recorde do Portugal de 1992 sabe que, nesses tempos, não era habitual utilizar o Coliseu para concertos rock!

Foi também a curiosidade de ver um grupo de rock português no Coliseu de Lisboa que cativou a presença de muita gente. Ainda mais porque, na época, os UHF já eram considerados veteranos…
A verdade é que o concerto dos UHF não foi acústico, nem repleto de baladas, mas sim rock'n'roll à flor da pele e essa noite ficou na memória do rock português por mais outro motivo, directamente relacionado com a impreparação de concertos rock no Coliseu e com a força do próprio evento. Por certo, foi estabelecido um novo record de cadeiras partidas na mítica sala da Rua das Portas de Santo Antão! Não que o concerto tenha sido violento, pelo contrário, contudo, perante tanta gente aos saltos em cima de tão frágeis cadeiras, outro desfecho não seria previsível. Talvez quem tenha optado por não tirar as cadeiras da plateia tenha também conversado com Zé Pedro na véspera do concerto e deduzido que os UHF iriam fazer um mero concerto acústico.
Foram para cima de cem as cadeiras aniquiladas pelo saudável rock dos UHF.

Naquela noite, quase tudo correu bem aos UHF. O clima da sala esteve ao rubro e as canções foram entoadas do início ao fim por uma audiência participativa e rendida. O som poderia ter estado melhor, porém a performance de músicos e convidados foi quase perfeita. Assumo que, passados catorze anos, estou com imensa curiosidade em assistir a este regresso dos UHF aos Coliseus. Atrevo-me, mesmo, a sugerir este espectáculo, sugestão extensível mesmo àqueles que não nutram grande simpatia pela banda de António Manuel Ribeiro. Não desperdicem esta oportunidade de assistir "ao vivo e a cores" a um concerto do mais controverso grupo do rock português. Podem não ficar fãs, mas certamente vão ser surpreendidos pela força que esta banda de Almada continua a imprimir em palco, sem farsas, com amor e cheios de um intenso fogo rock nas veias.

Foi você que pediu uma noite negra de azul?

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