30.9.06

Brincar no fogo

A noite de 23 de Setembro foi bem preenchida. Além do jogo de futebol a que assisti no Restelo, tive o concerto de regresso dos UHF ao Coliseu de Lisboa. Foi uma correria, mas, tirando o ligeiro atraso na chegada ao espectáculo, tudo correu pelo melhor. Acompanhado por Bruno Gonçalves Pereira, assisti a uma grande actuação dos meus amigos António, Ivan, Nando e Toninho. Depois, ainda houve tempo para confraternizar no bar da zona de acesso restrito, tendo o Bruno aproveitado para gravar as vozes do programa Atlântico e restante reportagem a ser transmitida hoje, sábado, na Antena Miróbriga. A noite terminou com uma passagem fugaz pelo “Hard Rock Café”, numa tentativa, fracassada dado o adiantado da hora, de reconfortar o estômago após uma noite sem jantar…
A respeito do concerto dos UHF no Coliseu dos Recreios, redigi um texto que foi publicado no blogue Canal Maldito e que aqui reproduzo.


Como preâmbulo, devo esclarecer que este texto não é uma crónica. Porém, em bom rigor, também não poderei afirmar que se trata de uma crítica a um concerto. No fundo, uma picadora “1, 2, 3” resolverá o enigma. É uma mistura dos dois conforme as variáveis descritas.

Para mostrar que não é critica vamos viajar. Até Santiago do Cacém. Nesta bonita cidade do litoral alentejano, têm desfilado, nos últimos anos, os maiores nomes da nossa música. Xutos & Pontapés, Rui Veloso e David Fonseca foram alguns dos que tocaram no Largo José Afonso. A estes espectáculos ocorrem multidões de milhares de pessoas, capazes de encher, pelo menos, 3 plateias do Coliseu dos Recreios. O público presente oscila entre o bebé e o idoso, entre o urbano e o rural, entre o fã de Floribella e o de Pulp Fiction. Fora de Lisboa ou Porto, é assim que as coisas existem e funcionam. Os concertos de Xutos e de Rui Veloso estiveram apinhados, com os presentes a cantarem e a participarem em quase todos os temas, enquanto que o espectáculo de David Fonseca contou com um largo semi-vazio e com a indiferença de muitos dos presentes. A língua inglesa não ajuda na comunicação com o público do País real, apesar da prestação de David Fonseca ter sido muito positiva. Caso tivesse de escrever alguma crítica, indicaria que o público presente fora em número razoável (1500 a 2000) e que, perante uma assistência que não era a sua, dera um excelente concerto. O parágrafo introdutório teria sido curto e passaria, sem delongas, para a análise do “excelente concerto”. O público que assistiu a David Fonseca seria menos culto do que aquele que vibrou com Rui Veloso ou Xutos? Não. Era o mesmo. Não me interessa se o povo que cantou Rui Veloso era analfabeto ou professor catedrático. Do interior ou do litoral, do meio rural ou do meio urbano, todos me merecem o mesmo respeito e consideração. Podem ter gostos e culturas diferentes, mas isso não faz de uns, imberbes e insignificantes, e dos outros, iluminados e absolutos. O designado “circuito de província” existe e quem não tem sucesso nesse circuito é porque não tem sucesso em Portugal. Além do mais, qual é o músico ou projecto que sobrevive unicamente com concertos em Lisboa e Porto?

Assisti, no Coliseu de Lisboa, na noite do passado sábado, ao espectáculo dos UHF, que serviu para recolha áudio e vídeo, com vista à edição de um CD e DVD. Sem terem contado com a enorme promoção que tiveram há 14 anos (R&B, RFM e TV’s), os UHF jogaram um poker arriscado porque têm estado afastados de Lisboa e Porto e de uma ribalta mediática que influencia, sobretudo, uma adesão urbana. Ao entrar, ligeiramente atrasado, constatei que, ao contrário do sucedido em 1992, a Sala estaria a meio. A meio de lotar e a meio de estar vazia. Meia cheia ou meia vazia consoante a disposição pessoal de quem analise a matéria. Foi uma pena ter existido meia sala vazia porque o concerto foi do melhor que algum dia os UHF deram. Bem preparados, coesos, sem dissidências há largos anos, a banda de Almada surpreendeu pela vitalidade demonstrada. António Manuel Ribeiro, mais velho e seguro na gestão do cansaço, surgiu fresco e com uma voz bem melhor que em 1992. O público presente não estava muito virado para uma testada componente acústica. Também António Côrte-Real, envergando uma T-shirt dos Ramones era espelho disso mesmo. Queriam rock, queriam a prova final de que “UHF é rock”, como era exibido numa das faixas preparadas por fãs vindos de vários pontos do Continente e Ilhas. E queriam tudo o resto que escutaram num desfilar exemplar de grandes músicas uhfianas. No dia em que se escreva a história do rock português, existem temas que serão marcos e muitos deles foram executados de forma brilhante no passado sábado. Os célebres “Rua do Carmo” (1981) ou “Cavalos de Corrida” (1980) não podiam ser esquecidos, assim como outros êxitos - “Hesitar” (1989), “Menina estás à Janela” (1993) ou o recente “Matas-me com o teu Olhar” (2005). Mas houve mais. Houve um grupo que jorrou rock e atitude. “Os Putos Vieram Divertir-se” (2003), “Sarajevo” (1993), “Modelo Fotográfico” (1981), “Sonhos na Estrada de Sintra” (1988), “Rapaz Caleidoscópio” (1981), “Na Tua Cama” (1988), “Fogo (tanto me atrais)” (1988) e “Devo Eu” (1983), numa encruzilhada de épocas e de vivências diversas. E os clássicos que não foram tocados eram suficientes para novo alinhamento! É um facto que este foi dos concertos dados pelos UHF em Lisboa que contou com menos público, todavia, este espectáculo foi melhor do que aquele que ocorreu na mítica sala do Rock Rendez-Vous (1990), na Expo (1998) ou na anterior passagem pelo Coliseu (1992). Foi um risco tocar para um Coliseu a metade. Contudo, o que resultou desse desafio foi um momento memorável e que adia o funeral dos UHF. Os tempos de “Cavalos de Corrida” ficaram para trás. Ainda bem.


UHF no Coliseu de Lisboa. Fotografia: LSO


UHF no Coliseu de Lisboa. Imagem da plateia. Fotografia: BGP


Luís Silva do Ó entrevista  Ivan Cristiano, baterista dos UHF. Fotografia: BGP


Luís Silva do Ó entrevista  António Côrte-Real, guitarrista dos UHF. Fotografia: BGP

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